Espalhafatoso, carismático, dono de interpretação privilegiada, grande performer Andrew Wood é um das figuras mais geniais que Seattle deu ao mundo. Mais conhecido como o sujeito que morreu de uma overdose e foi homenageado por um coletivo grunge num disco, seu trabalho ainda continua nos guetos da música.
O primeiro amor de Andrew pelo rock veio com o disco Alive I, do Kiss. Através dele, toma contato com o universo do glam rock que iria formar a base de sua personalidade musical: T-Rex (Marc Bolan era tudo o que ele queria ser), o hard rock swingado do Aerosmith e o senso melódico e baladas no piano do Elton John.
No início dos anos 80 forma com seu irmão Kevin e mais um amigo o Malfunkshun. A exemplo do Kiss, cada integrante era um personagem e suas apresentações tinham grande apelo visual, com Andrew abusando da maquiagem e purpurina. Foram uma das primeiras bandas de uma geração que mais tarde seria conhecido como o cenário grunge, ao lado do Melvins, Green River e Soundgarden, dentre as que ficaram mais conhecidas.
"Deep Six", coletânea de 1986 com as primeiras bandas do que viria a ser conhecido como a cena de Seattle. O Malfunkshun participa com duas faixas. |
O cenário musical de
Seattle na década de 80 foi bastante influenciado pelo Flipper e por um show do Black Flag na cidade, da turnê
de “My War”; e as bandas tendiam a fazer um som arrastado e cheio de
dissonâncias. O Malfunkshun com seu som puxado para o arena rock era um estranho no ninho. Ao contrário da grande maioria das bandas da
cidade, Andrew queria fazer sucesso no mainstream e tinha postura de rock
star. Mas a presença, vivacidade e senso de humor dos shows garantiam que fossem não só aceitos, mas
também amados e cultuados na região.
Apesar do excelente material que a banda possuía, durante
sua existência o Malfunkshun não teve nenhum disco lançado. Somente em 95 esse material é compilado no
impressionante cd “Return to Olympus”. Rock glamuroso, punk e
art rock numa mistura única. Cacoetes guitarrísticos da década de 80 (shred guitar) funcionando
perfeitamente em uma proposta artística ousada, com os vocais e versos de Andrew mostrando dor e vivência absurda para quem beirava os 20 anos. “I know my name is Pain, but I can only, be
myself...”
O fim do Malfunkshun em 88 coincide com o do Green River também. Andrew Wood se une então aos ex-GR Stone Gossard (G), Bruce Fairweather (G) e Jeff Ament (B) mais o baterista Greg Gilmore e forma o Mother Love Bone. A outra metade do Green River viria a ser o Mudhoney.
Mais direto ao ponto, bem produzido e com clima mais up, o
Mother Love Bone foi concebido para competir com as grandes bandas hard do
período. O momento era propício. O Guns N’ Roses havia conseguido extrair uma
proposta mais artística e rueira para o
rock de laquê com seu disco “Apettite for Destruction” e Andrew almejava algo
nesse sentido.
O Mother Love lançou dois discos: o EP Shine e a obra-prima “Apple”. É o que de melhor já foi feito em hard rock: um som prá galera mas cheio de alma, boas idéias e uma fluidez de deixar atônito. A produção de Terry Date (Pantera, Soundgarden, White Zombie) fez tudo soar bem na cara. Uma cacetada!
Infelizmente não tiveram grande sorte: os problemas com
drogas de Andrew (que vinham desde os 7
anos de idade!) levaram a sua morte por overdose de heroína em 1990, aos 24
anos. A poucos meses antes do lançamento de “Apple” e do estouro
mundial do grunge. Descrito como um palhaço triste pela família e amigos,
Andrew disfarçava sua depressão e fragilidade emocional com um lado brincalhão e
expansivo, como é mostrado no filme “Malfunkshun -The Andrew Wood Story”.
O trágico acontecimento deixou Seattle desolada. O amigo de longa data Chris Cornell (chegaram mesmo a dividir um apartamento) tem a idéia de lançar um disco-tributo junto a diversos músicos de Seattle. Isso se torna o Temple Of The Dog, que lança um álbum epônimo um ano depois da morte de Wood.
Ouvir o trabalho de Andrew Wood em 2014 faz todo o sentido. Passados quase 25 anos desde que morreu, a música que produziu continua instigante e atemporal (como toda boa música). Mais do que nunca, a abordagem personalíssima e espírito inquieto conduz o ouvinte a um universo bem peculiar. Eternal life to the Love Child!