X-Ray Spex: Berros e Day-Glo contra a sociedade de consumo




                      
 O X-Ray Spex continua sendo um dos segredos mais bem guardados não só do Punk Rock, mas do rock n’ roll de forma geral. Apesar de terem gravado pouco, seu disco de estréia é musicalmente tão impactante e abrasivo  quanto o “Nevermind the Bollocks” ou a estréia dos Ramones. E a frontwoman Poly Styrene com seu vocal gritado e desleixo com a aparência física , foi uma das principais pavimentadoras do caminho para o riot grrrl surgir 15 anos depois. Como a revista Billboard afirmou, "Poly é o arquétipo da roqueira moderna."
                               
Tudo começa em 1976, quando uma garota hipponga e esquisita de aparelho nos dentes  chamada Mary Joan Elliot assiste a um show dos Sex Pistols. Assim como aconteceu com Joe Strummer (The Clash) e Steve Shelley (Buzzcocks), a apresentação muda totalmente os projetos de vida da moça, que decide montar uma banda no mesmo dia.
Coloca classificados no jornal e em pouco tempo o X-Ray Spex estava formado: Jak Airport na guitarra, Paul Dean no baixo, Paul ‘B.P.’ na bateria e Lora Logic (na época com 16 anos) no saxofone. Mary se batiza com o nome artístico de Poly Styrene e se torna a vocalista do grupo.
                             
Poly tinha aparência física diferente do punk rock inglês predominantemente branco (o pai dela era somali) e com uma presença de palco amalucada e vocais prá lá de esgoelados, a banda chamava muita atenção. A presença de saxofone numa banda punk fazia tudo ainda soar mais doido e exótico. O visual abusava do Day-Glo, mas ao contrário da new wave, esse recurso era propositalmente contra o glamour e o senso estético. Visualmente pareciam uma banda new wave dos pobres. Eram mesmo absolutamente singulares. Até o ranzinza John Lydon, que só abre a boca prá desmerecer o que quer que seja, recentemente afirmou que a única banda que os Pistols temiam dividir um show era com o X-Ray Spex.
                               
Com essa formação em 1977 lançam o single “Oh bondage up yours”, a música mais conhecida deles e tida como o maior hino punk feminista.
                             
Um ano depois vem o álbum “Germfree Adolescents” , já sem Lora Logic, que deixa a banda prá se tornar hare krishna e é substituída por Steve “Rudi” Thompson, que aproveita todas as linhas de sax criadas por Lora. O disco é um arregaço. Talvez o caso que eu conheça de maior obra-prima que não teve o devido reconhecimento de público e até mesmo de crítica. Todas as faixas são excelentes, com uma fluidez incrível e sem pausa prá respirar. A produção é acertada e a a gravação alta e clara para os padrões de época e estilo. A combinação de guitarra e saxofone é perfeita, a guitarra fazendo mais o papel ritmico e deixando a melodia por conta do sax. A guitarra também é mais influenciada pelo hard rock da década do que pelo rockabilly ou as garage bands dos 60’s, como geralmente ouvimos na maioria das outras bandas punk. As letras falam de consumismo e artificialidade de forma inteligente e partindo de uma perspectiva mais pessoal (“1977 e nós estamos enlouquecendo. É 1977 e nós vemos muitas propagandas. Eu como Kleenex no café da manhã.E uso papel higiênico Weetabix para secar as minhas lágrimas”).Mas o maior destaque do disco são mesmo os vocais: entrega, paixão, energia, credibilidade. A voz de Poly Styrene é uma obra de arte.
                           

Exausta pela vida na estrada e uso de drogas, Poly passa mal num show em 1978 e começa a ter diversas crises depressivas. Afirmou ter visto um disco voador cor de rosa pela janela do quarto. Isso a assustou muito e sem saber o que fazer e o que isso poderia significar, decide abandonar o universo do  Punk Rock e optar por um caminho mais espiritual de vida. Sai então da banda em 1979. Os outros integrantes ainda tentaram arrumar outra vocalista, mas, sem sucesso, o X-Ray Spex acaba oficialmente um ano depois .
Assim como Lora Logic, Poly se torna hare krishna também e lança em carreira-solo “Translucence” em 1980, um disco bem tranquilo e meditativo, que em nada lembra o som de sua antiga banda.
Poly Styrene e Lora Logic em 1980. Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare
Com o sucesso do Green Day e Offspring em meados da década de 90, diversas bandas punk das antigas retomaram atividades, aproveitando-se do momento propício. O X-Ray Spex também faz um breve retorno, chegando a gravar um disco, “Conscious Consumer”. Contrariando a tendência das bandas que voltam depois de muito tempo, é um disco que surpreende bastante e muito bom de ouvir.
                                   

Nos anos 2000’s  se reuniram esporadicamente diversas vezes para fazer shows. Um deles, no Roundhouse, foi lançado em cd e dvd.
                                  
Infelizmente Poly Styrene morre em 2011 de um câncer de mama em estágio avançado, aos 53 anos, deixando muita saudade.
Recentemente mais material solo inédito dela foi lançado e diversos tributos realizados.
                                 
                                         
Não se atendo aos padrões que surgiram do próprio punk rock, Poly é símbolo de originalidade e inspiração num mundo de clones, posers e wannabes. Uma artista mais instintiva do que intelectualizada, como costumam ser os melhores da categoria. Ainda que tenha brilhado com todo seu explendor por pouco tempo e para relativamente poucas pessoas num determinado período, o impacto que causou na cultura pop e nos corações de quem foi tocado por seu trabalho é forte demais, deixando a melhor lição possível de “do-it-yourself".  Poly Styrene, descanse em paz onde estiver. Nós te amamos!

The Germs: Dianética a Serviço da Perversão

                       

Manipulador, paranóico, sensível, temperamental, autodestrutivo, gênio. Esses são os adjetivos onipresentes que o líder do Germs e ícone punk Darby Crash recebe de quem conviveu com ele.
Nascido com o nome de Jan Paul Beahm, Darby teve uma infância difícil. Seu irmão morreu de overdose quando ele tinha 11 anos, a mãe tinha problemas mentais e seu padastro sofreu um enfarte fulminante, deixando a família em dificuldades financeiras.
 
Na adolescência ele ingressa numa escola de caráter experimental, com bases na cientologia e que o objetivo seria formar futuros líderes e personalidades influentes da América. Dentre os colegas de escola de Darby, ele estudou com Kira Roesller (futura baixista do Black Flag) e lá também conheceu Pat Smear, seu  melhor amigo e futuro membro do Germs. Darby gostava de chocar e diversas vezes aparecia de cabelo tingido de azul nas aulas, para se sentir como um negro por um dia, como ele costumava dizer. Apesar da rebeldia, ele admirava a metodologia da escola. Isso, somado com o uso constante de LSD, tornou-o obcecado por controlar as pessoas e “brincava” de fazer lavagem cerebral nos colegas. Dentre seus ídolos estavam Hitler, Charles Manson, Osvald Spengler, Nietzsche e o próprio Ron L. Hubbard (o fundador da cientologia). Também gostava do lado fascista do rock, principalmente David Bowie na fase Ziggy Stardust.
 
Darby com Alice Bag, outra figura icônica do cenário punk de Los Angeles 
Em meados da década de 70 o cenário pré-punk de Los Angeles era ainda bem ligado no glam rock e não tinha as pretensões vanguardistas do que acontecia em New York. David Bowie era deus e as Runaways foram quem mais deu certo na cidade fazendo esse tipo de som.

Darby então decide ter uma banda e depois de diversas formações, se estabiliza com ele nos vocais, Pat Smear na guitarra (nessa época ele ainda não sabia tocar), Lorna Doom no baixo (Darby sabia do marketing que era ter uma integrante mulher) e o hippongo maluco de pedra Don Bolles na bateria.
Baseando-se na música “Five years” do Bowie, Darby traçou um plano de 5 anos para sua carreira musical. Seu objetivo era se tornar um grande astro do rock e morrer. Ele afirmava querer criar um exército de seguidores, à maneira do nazifascismo. Darby bolou então um logotipo, um círculo azul, que simbolizava a natureza cíclica da vida.

Darby era bissexual mas sempre teve relacionamentos estáveis com mulheres, agindo como gigolô, recebendo delas casa, comida e dinheiro prá drogas. Sem técnica nenhuma  e viciado em todo tipo de entorpecente, suas performances eram prá lá de caóticas, lembrando a de seu ídolo Iggy Pop, envolvendo automutilação, vômitos, insultos e muita violência. Niilistas ao extremo, sacanearam o Damned numa apresentação em que abriram para eles, jogando farinha de trigo nos “ingleses mauricinhos”.
Os Germs gravaram  um único álbum em 79, chamado “GI”, produzido pela ex-Runaways  Joan Jett. A intervenção da Joan no disco é mínima, já que ela antes tinha bebido e se drogado com a banda e passou a maior parte do tempo das sessões em coma alcóolico. O resultado é um dos discos mais mal gravados da história.  Isso não impediu de GI (Germs Incognito) ser um clássico instantâneo. Sujão, abafado, mixagem pavorosa, mas com músicas muito inspiradoras e empolgantes. A falta de apuro técnico acabou dando até personalidade e um certo charme pro trabalho. Darby também era muito culto e suas letras são muito superiores a bandas contemporâneas a eles. 

Pouco depois a banda participou do documentário “Decline of western civilization”, um dos poucos materiais que se tem deles e uma das últimas coisas feitas por Darby. Ele se afundava mais e  mais na heroína e isso é bem evidente no filme.
Pouco depois, ele faz uma viagem para a Inglaterra e se apaixona pelo estilo "new romantic" do Adam & The Ants. Ele planejava dar esse novo direcionamento prá sua música. E também adotou o corte de cabelo moicano, à maneira de Adam Ant na época.

Retorna aos Estados Unidos com esses planos, mas já bastante cansado, não suportando o estilo de vida que levava e sem esperanças de se recuperar, se suicida provocando uma overdose intencional de heroína e morre em 7 de dezembro de 1980 aos 22 anos. O “Five year plan” se concretizou!  Uma curiosidade é que ele morreu no mesmo dia em que o John Lennon foi assassinado e sua morte passou despercebida.     
Com a morte de Darby e o fim dos Germs, Pat Smear ficou sumido por muito tempo  e “renasceu” depois que virou integrante do Nirvana. Logo depois virou guitarrista do Foo Fighters, permanecendo até hoje com eles  e contribuindo para a merda de banda que são. Lorna nunca mais deu as caras. Don Bolles aparece em tudo quanto é documentário e se isso é possível, a cada dia aparenta estar mais lesado. Diversas compilações e bootlegs foram lançados desde então. Em 2007 o Germs ganhou uma cinebiografia “What we do is secret” e foi descoberto por uma nova geração.
 
Cena do filme "What we do is secret", de 2007 
Darby Crash continuou muito influente, tendo inspirado bandas e artistas como Poison Idea, GG Allin e Kurt Cobain. Contraponto saudável e  necessário à fiscalização ideológica e mentalidade de gueto de grande parte do hardcore da década de 80 até os dias de hoje.

Ele afirmava que queria que as pessoas o seguissem e predisse que um dia fariam orações prá ele como para uma entidade divina. Parece que conseguiu seu intento.