Throbbing Gristle: What a Day!

“Aqui estão três acordes, agora forme uma banda’ é a exortação punk. Já começa errado porque começa com acordes. Eles estão dizendo: seja como todo mundo, siga a tradição, você tem que aprender a tocar. Por que não dizer: forme uma banda e não importa como ela soe ou mesmo se vai soar de alguma maneira, você pode até ficar parado em silêncio por uma hora na frente da plateia e ver o que acontece?”

Peter Christopherson, Genesis P-Orridge, Tutti Fanni, Chris Carter
                      
Continuando na trilha do som industrial, que até agora deu a tônica das minhas postagens aqui no blog, escrevo hoje sobre o primeiro grupo industrial de fato (até a gravadora deles se chamava Industrial Records). O Throbbing Gristle foi a primeira banda a usar música eletrônica para trazer desconforto e estranhamento.

O uso da arte como terapia de choque para destruir condicionamentos sociais recebidos desde a infância e a crença em um “Self” puro, o “Eu” original, livre de influências externas sempre foi o que guiou a música e a vida do líder do Throbbing Gristle, Genesis Breyer P-Orridge.
 
Nascido em 1950 em Hull, na Inglaterra, com o nome de Neil Megson, na adolescência P-Orridge descobre  os Rolling Stones e por conseguinte o rock n’ roll. Mergulha então na literatura beatnik e nos grupos mais radicais da contracultura da década de 60, indo viver em comunidades.
 
Genesis P-Orridge circa 1970
Nesse universo de párias e dropouts encontrou a gostosa Cosey Fanni Tutti, que logo virou sua namorada e integrante do grupo artístico multimídia que ele montou em seguida, o COUM Transmissions.  A música era calcada nas propostas de vanguarda que o Frank Zappa e Captain Beefheart vinham desenvolvendo com a mistura de rock, free jazz e humor negro; mas eram suas performances grotescas e atentatórias ao senso comum o que rendia publicidade: Genesis pendurava cabeças de galinhas mortas no pênis, se masturbava conjuntamente com sua namorada em um vibrador de duas pontas, mastigava vermes e cuspia no público dentre outros números que no geral envolviam fluidos corporais e exploração de tabus.Viviam na mais absoluta penúria, sendo que o “P-Orridge” do nome artístico do Genesis é uma referência a uma marca de aveia, que nos tempos de vacas macérricas era o único alimento que eles tinham disponível para mantê-los de pé. Para ajudar a  pagar as contas, Tutti posava nua para diversas revistas pornográficas.
 
Genesis e Cousin em apresentação do COUM Transmissions
Cansado das apresentações teatrais, em 1975 Genesis decide se concentrar somente na música, formando o Throbbing Gristle (gíria para pênis ereto), junto com Cosey e mais Peter ‘Sleazy’ Christopherson, que havia trabalhado como assistente de designer gráfico nos estúdios Hypgnosis e Chris Carter, técnico de iluminação. Cada integrante escolheu justamente o instrumento em que tinham menos habilidade e/ou identificação. Não usavam acordes. Não tinham baterista.
 
Os primeiros shows do Throbbing Gristle coincidem justamente com a explosão do Punk Rock inglês, sendo frequentados e louvados por todo o pessoal do Bromley Contingent, mas Genesis considerava o Punk saudosista e previsível demais e não quis se alinhar. “Não existe anarquia e música ao mesmo tempo” ele dizia e em cima disso abriram mão da melodia e ritmo, dando ênfase na natureza dos sons em si, trabalhando em cima de tons, frequências e camadas de efeitos, como forma de criar hipnose e reações extremas na platéia (até mesmo a defecação espontânea).
 
Os shows do grupo tinham uma natureza tensa e imprevisível. Com uso intensivo de bases pré-gravadas em fitas k-7e vocais muitas vezes em forma de spoken word, as músicas eram criadas e gravadas instantaneamente. “Discipline”, sua obra mais conhecida, pode ser o exemplo mais claro desse estilo de fazer música totalmente ao vivo.
 
                                 

A discografia do Throbbing Gristle é extensa e confusa porque praticamente gravavam (e lançavam) todo material que produziam. Os discos mais representativos são: "Second Annual Report", "Third Annual Report", "20 Funk Jazz Greats" e "Heathen Earth".
 
Causavam repulsa na sociedade inglesa, o que pode ser conferido nas mensagens da secretária eletrônica da banda, expostas na faixa “Death Threats”. Letras tratando de sadomasoquismo ("Discipline"), misoginia ("We hate you, little girls"), pedofilia ("After cease to exist"), masturbação ("Five Knucle Shuffle"), câmaras de gás ("Zyklom B. Zombie") e assassinos em série ("Very Friendly") fizeram deles verdadeiras desgraças sociais. As capas dos álbuns também geravam controvérsia, como a de “Second Annual Report”, em que aparece uma menina impúbere mostra a calcinha numa foto de calendário. Outra digna de nota, “20 Jazz Funk Greats” a banda posa como um  grupo 'easy listening' em uma típica capa de “maiores sucessos”. O que complementa ainda mais a ironia é que essa fotografia foi tirada em  Beachy Head, um penhasco da Inglaterra e que é um dos lugares mais utilizados por suicidas no mundo!
 

Em '78, há uma ruptura entre o casal Genesis/Cousin. O motivo é que Cousin trocou P-Orridge por Chris Carter. Genesis tenta se matar ingerindo tranquilizantes e bebida alcóolica, o que é narrado na letra de “Weeping”: 'Você não me viu chorando pelo chão. Você não me viu engolindo meus comprimidos.'
 
Para tentar evitar que o grupo se dissolvesse e ajudar na melhora do estado mental de Genesis, entra na história Monte Cazazza, que se transforma numa espécie de quinto integrante e mentor intelectual do grupo. Artista avant-gard fissurado em "survivalism" (não existe uma tradução exata em português mas é quem espera e se prepara para qualquer tipo de cataclisma) e armamentos, Cazazza  transforma o TG em uma  banda quase fascista.  Genesis rapa a cabeça e o TG passa a se utilizar de camuflagem e idumentárias militares. No auge da paranóia, que antes era apenas estética, começaram a vender armas, uniformes e kits de sobrevivência pelos correios e idelizaram mesmo criar um grupo paramilitar de seguidores.
 
Monte Cazazza
Com isso a  banda ainda sobrevive por mais um tempo mas as relações entre Genesis, Tutti e Carter estavam insuportáveis prá se continuar, finalizando suas atividades em 1981. Em uma declaração em seu último show, na Califórnia, Genesis disse que “a missão havia terminado”, que o TG havia levado o rock a sair das raízes do blues agrário e criou um novo tipo de musica (ou anti-música) apropriado para a sociedade pós-industrial. Da dissolução do Throbbing Gristle surge dois grupos: Genesis e Peter Christopherson montam o Psychic TV e Cosey e Carter o Chris & Cosey.

Em 2004 houve uma breve e fabulosa reunião dos membros originais para alguns shows, rendendo o fenomenal box de dvd’s “TGV: The Video Archive of Throbbing Gristle”, que contém o melhor dessas apresentações e mais material da década de 70. Infelizmente Peter Christopherson morreu em 2010, inviabilizando outra reunião com os membros originais.

TG nos 00's
O Psychic TV continua em atividade e Genesis continua sendo figura das mais expressivas no underground, sempre aparecendo de alguma forma na mídia alternativa, escrevendo prefácios de livros ou aparecendo em documentários. Suas entrevistas são brilhantes, mostrando boa argumentação e lucidez que impressionam; ainda mais na sua condição de sobrevivente, como ele próprio se denomina. Com o surgimento da internet seu trabalho e do Throbbing Gristle estão sendo descobertos por uma nova geração de fãs e alcançando um nível de reconhecimento que até então era inédito. Antes (bem) tarde do que nunca, com toda a certeza. Industrial Music For Industrial People!

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