Deus Salve as Rainhas


O Queens of The Stone Age surgiu em 1996 e originalmente era formado por Josh Homme (V/G), Nick Oliveri (B) e Alfredo Hernandez (D), que eram ex-integrantes do Kyuss, banda que anos antes havia tido grande louvação pela crítica porém havia passado despercebida pelo grande público. A gestação do QOTSA ocorreu durante o que ficou conhecido como “Desert parties”, que eram jam sessions intermináveis organizadas pelo trio e feitas no meio do deserto californiano utilizando um gerador (qualquer semelhança com o Pink Floyd em Pompéia é mera coincidência!). Artistas das mais diversas vertentes musicais eram convidados para essas jams e nesse clima experimental inclusivista, foi de  onde surgiu a proposta mais universal do QOTSA.  A idéia era pegar o stoner rock ( subgênero de bandas que se inspiravam e também copiavam o som saturado e psicodélico de Black Sabbath e Blue Cheer) e fazer música com apelo moderno, que tivesse substância mas fosse também acessível ao ouvinte médio. Essa contradição arte/mercado foi e  é um dos principais charmes da banda, que era prá se chamar “Kings of the Stone Age”, mas que o nome foi considerado machista demais e ficou “Rainhas...”, que era mais de boa.
 

O primeiro material gravado veio em 1998, autointítulado. O disco da calcinha é o mais cru e despretensioso deles. E já de cara uma obra-prima! Os vocais sussurados e riffs robóticos de Homme (uma das abordagens mais criativas do instrumento desde a invenção da guitarra elétrica), o baixo estilo mamute de Oliveri e a bateria simples e eficaz de Hernandez trabalham em cima de composições perfeitas, misteriosas e lascivas. Nesse período tocavam em botecos e pequenos festivais, nem imaginando no que se tornariam. Mas como dizem que quem tem amigos não precisa de dinheiro, Josh Homme tinha alguns amigos e famosos, sendo Dave Grohl o maior deles. Tiete do Kyuss e grande divulgador dos artistas que gosta, não deixava de tecer elogios ao QOTSA quase que a cada entrevista do Foo Fighters.
 

Com excelentes críticas e a base de fãs crescendo consideravelmente, veio dois anos depois "Rated R". Já com vontade de conquistar um público maior, a banda vem com um som mais acessível, dando ênfase em refrãos e apostando na variação de vocalistas: Oliveri assume o vocal principal de diversas faixas, geralmente as mais punk estilo fio desencapado. É chamado também o ex-Screaming Trees Mark Lanegan, que faz uma espécie de irmão mais velho de doideira dos caras e que colaboraria também nos trabalhos posteriores. Uma curiosidade é que Josh Homme participou como músico contratado na última turnê dos Trees. Com um hino (a louvação às drogas “Feel the good hit of summer”, com direito a backing vocals do Rob Halford), esse disco teve bastante aclamação lá fora, o que fez com que passassem pelo Brasil no Rock In Rio 3, em 2001, numa desastrosa apresentação, onde os colocaram para abrir para medalhões do metal como Sepultura e Iron Maiden e sofreram total falta de respeito do público. Um fiasco, o que levou a banda a demorar quase 10 anos para voltar ao Brasil novamente.


Em 2002 há uma das mais felizes combinações musicais, como também uma senhora estratégia de marketing: Dave Grohl grava um disco com a banda. Não só um disco, mas o maior álbum do milênio até agora. Era só o que o QOTSA precisava para ganhar o status de mega, com o baterista de uma das bandas mais influentes de todos os tempos dando aquela força. Mas de nada adiantaria a ajuda de Grohl se o material não fosse de primeira. E “Songs for the deaf” com sua atmosfera freneticamente tensa, bruta, cínica e escapista é um arregaço, não deixando pedra sobre pedra. Durante a turnê de "Songs...", Nick Oliveri sai da banda, o que redirecionou o som do grupo e  repercute até os dias de hoje. Sim, o cara faz muita falta!
 

Um clima deprê é a tônica do próximo lançamento, "Lullabyes to paralise". Apesar de ter algumas músicas muito boas, no geral  é um álbum arrastado e o primeiro vacilo na carreira deles.
 
Natasha Shneider, a tecladista de origem russa que ajudou a formar a cara do Queens pós-saida -do-Oliveri. Morreu precocemente de câncer aos 52 anos, em 2008, sendo homenageada com um show. 
Com as críticas fracas e estranhamento de boa parte dos fãs, Josh concentrou forças para o lançamento do próximo álbum, o ótimo "Era Vulgaris", que é bem mais rock e que consegue manter o nível pelo disco todo, tanto por algumas músicas que viraram hits da banda como por pérolas escondidas por todo o álbum.
 
QOTSA versão 2014
Um hiato de 5 anos e em 2013 vem o aguardado “Like clockwork”, num estilo paradeira que remete ao clima do “Lullabyes to paralise”. Mesmo assim é obrigatório, como todo disco da banda, possuindo composições fortes e emocionantes. Para a turnê desse disco o  QOTSA vem ao Brasil pela quarta vez para duas apresentações, o que sempre causa bastante expectativa e  furor. Verdade seja dita, depois da saída do Oliveri a banda nunca mais foi a mesma, mas até esse QOTSA mais domesticado que anda pela Terra é infinitamente superior e mais interessante a tudo o que o aconteceu no rock mainstream depois do surgimento deles. Josh continua tocando o puteiro!

O que que tá pegando? (Rio Grande do Sul)


Finalmente, depois de um BOM tempo sem escrever nada por aqui, faço meu retorno. Bem, estou nos momentos finais de minha faculdade e antecipei minha monografia, por isso me ausentei da página por um tempo, mas vamos ao que interessa agora.

Já tava a um tempo planejando fazer esse post, creio que vai ser uma parada meio mensal ou rotineira, pois quero fazer dessa coluna um boletim sobre o que tá rolando aqui no estado ( no melho estilo "Scene Report" da Maximum Rocknroll). Sem falar pros leitores de outras regiões saberem o que rola de bandas interessantes por aqui. Vou tentar ser o mais amplo possível e falar até de gêneros que não é de praxe da nossa página, então vamos lá:


SNOW TWINS


Vindos de Osório, eles são uma dupla (ou casal, como preferir chamar) que, mesmo com um visual e formação que fazem parecer que são um White Stripes da vida, vão destruir suas expectativas. O som dos caras é um garage rock fuderoso, no melhor estilo Detroit 69 que deixariam os Stooges e MC5 orgulhosos. No momento eles tem um álbum e 2 músicas novas, quem quiser escutar e acompanhar os caras é só ver o facebook deles para mais informações. Pois o rock'n'roll está vivo e muito bem, obrigado.


DEVIR


Vindo de Santa Cruz do Sul, o quarteto faz um hardcore/post hardcore na vibe de grupos como Husker Du, Cap'n'Jazz e At The Drive In ( além de um arzinho D.C. da linha do Rites Of Spring, Embrace e afins). Arranjos simples, melódicos e bem construídos, letras bem escritas e com assuntos até curiosamente politizados pra o gênero, como legalização da prostituição(PL 98/2003) e a vida de crianças em zonas de guerra( Forgotten). Os caras agora lançaram um álbum com 7 canções que pode ser escutado e baixado de graça neste link, quem quiser saber mais informações da banda só seguir o facebook dos caras.



INFINITUM 


Saindo um pouco do eixo de sons mais hardcore/roque selvagem/metal do blog, vamos falar da Infinitum. O quinteto de Porto Alegre é do polêmico(?) gênero do metalcore, mas o grupo tem uma vibe um pouco diferente do esperado. Os breakdowns e vocais melosos estão ali? Sim, estão, mas o modo que eles são elaborados saem um pouco das fórmulas permeadas que permeiam o estilo, sem falar dos assuntos das letras, no caso do single Aames, cujo nome e conceito foram inspirados pelo filme Vanilla Sky. No momento eles estão para lançar um EP, mas o grupo já tem 2 músicas na rede e quem quiser acompanhar ou saber mais dos caras só seguir o facebook deles. Para quem curte um som na pilha de bandas como Architects, Northlane, Tesseract e A Última Theoria, sinta-se servido.




ALÉM DO FIM


Mais uma da curiosa safra metalcore que tem por aqui, com influências que vão da nova geração do gênero como Parkway Drive e While She Sleeps, passando pro deathcore do Suicide Silence e Chelsea Grin e tentando trazer um pouco do tal do djent praticado por bandas como Volumes e Northlane. Os caras já lançaram um EP ano passado e o debut está pra sair esse ano, para mais informações do grupo só seguir o facebook dos caras. Mais um nome diferenciado pra geração que prefere breakdown, vale lembrar também que o EP dos caras estava na minha lista de melhores lançamentos de 2013.


ROTTEN FILTHY


Thrash/Death de Cachoeira do Sul, a banda tem uma influência dos sons do Cavalera (Soulfly, Sepultura, Nailbomb) e toda geração mais moderna do thrash, como Machine Head. Mas mesmo de tanto metaleirismo, há uma influênciazinha hardcore. Os caras lançaram um EP chamado Empires Will Fall e ainda esse ano também lançam o seu primeiro álbum, Inhuman Sovereign. Quem quiser saber mais dos caras só checar o facebook deles.


BAD TASTE



Death Metal massacrante de Cachoeirinha. Na vibe de monstruosidades como Cannibal Corpse, Dying Fetus e Decapitated os caras fazem uma sonzeira brutal, rápida e técnica sem soar entediante, trilha perfeita para quebrar dentes. Os caras já tem um EP e estão compondo músicas para um trabalho novo, na qual um dos singles já saiu. Mais informações da banda só acompanhar o facebook do grupo.




EVERYONE GOES TO SPACE



O trio porto alegrense faz um pop punk/emocore na linha das bandas clássicas do gênero como Jawbreaker e Sunny Day Real Estate, extremamente melódico simples, calmo e relaxante. A demo é um daqueles discos que você dá o play, fecha os olhos, se deixa levar pela música e milhões de pensamentos passam pela cabeça. Aqui está o facebook dos caras para saber mais, desfrutem.


DPSMKR



Um cara (ou mais) de Porto Alegre, uma guitarra, muita psicodelia e loops. Não preciso dizer mais nada, dá o play e se deixe levar pela chapação sonora do cara, em 3 anos de existência o projeto já teve 6 "álbuns" que podem ser baixados e escutados online no bandcamp dele. Dpsmkr também lança alguns materiais físicos, mas são em quantidades absurdamente limitada (o debut tinha 20 cópias, por exemplo), acompanhado de fotos. O negócio é uma experiência audiovisual hipnótica e transcendental, escute pelo menos uma vez apenas pela experiência. Aqui tá o facebook para mais informações, caso queira cópias do cd ou ver algum dos raríssimos shows do projeto.


Por enquanto é isso, haverão outras sessões do "Que que tá pegando, RS?", pois tem MUITA coisa que deixei passar, creio que farei isso mensalmente (ou bimestralmente). Nos vemos na próxima e espero que curtam minhas trocentas recomendações, apoie a cena que você acha que merece ficar viva.

O mundo de Andy

                                

Espalhafatoso, carismático, dono de interpretação privilegiada, grande performer Andrew Wood é um das figuras mais geniais que Seattle deu ao mundo. Mais conhecido como o sujeito que morreu de uma overdose e foi homenageado por um coletivo grunge num disco, seu trabalho ainda continua nos guetos da música.

O primeiro amor de Andrew pelo rock veio com o disco Alive I, do Kiss. Através dele, toma contato com o universo do glam rock que iria formar a base de sua personalidade musical: T-Rex (Marc Bolan era tudo o que ele queria ser), o hard rock swingado do Aerosmith e o senso melódico e baladas no piano do Elton John.

No início dos anos 80 forma com seu irmão Kevin e mais um amigo o Malfunkshun. A exemplo do Kiss, cada integrante era um personagem e suas apresentações tinham grande apelo visual, com Andrew abusando da maquiagem e purpurina. Foram uma das primeiras bandas de uma geração que mais tarde seria conhecido como o cenário grunge, ao lado do Melvins, Green River e Soundgarden, dentre as que ficaram mais conhecidas.
"Deep Six", coletânea de 1986 com as primeiras bandas do que viria a ser conhecido como a cena de Seattle. O Malfunkshun participa com duas faixas.
O cenário musical  de Seattle na década de 80 foi bastante influenciado pelo Flipper e por um show do Black Flag na cidade, da turnê de “My War”; e as bandas tendiam a fazer um som arrastado e cheio de dissonâncias. O Malfunkshun com seu som puxado para o arena rock era um estranho no ninho. Ao contrário da grande maioria das bandas da cidade, Andrew queria fazer sucesso no mainstream e tinha postura de rock star. Mas a presença, vivacidade e senso de humor dos shows garantiam que fossem não só aceitos, mas também amados e cultuados  na região.


Apesar do excelente material que a banda possuía, durante sua existência o Malfunkshun não teve nenhum disco lançado. Somente em 95 esse material é compilado no impressionante  cd  “Return to Olympus”. Rock glamuroso, punk e art rock numa mistura única. Cacoetes guitarrísticos da década de 80 (shred guitar) funcionando perfeitamente em uma proposta artística ousada, com os vocais e versos de Andrew mostrando dor e vivência absurda para quem beirava os 20 anos. “I know my name is Pain, but I can only, be myself...”
                             

O fim do Malfunkshun em 88 coincide com o do Green River também. Andrew Wood se une então aos ex-GR Stone Gossard (G), Bruce Fairweather (G) e Jeff Ament (B) mais o baterista Greg Gilmore e forma o Mother Love Bone. A outra metade do Green River viria a ser o Mudhoney.
Mais direto ao ponto, bem produzido e com clima mais up, o Mother Love Bone foi concebido para competir com as grandes bandas hard do período. O momento era propício. O Guns N’ Roses havia conseguido extrair uma proposta mais artística e rueira para o rock de laquê com seu disco “Apettite for Destruction” e Andrew almejava algo nesse sentido.
                       

O Mother Love lançou dois discos: o EP Shine e a obra-prima “Apple”. É o que de melhor já foi feito em hard rock: um som prá galera mas cheio de alma, boas idéias e uma fluidez de deixar atônito.  A produção de Terry Date (Pantera, Soundgarden, White Zombie) fez tudo soar bem na cara. Uma cacetada!

Infelizmente não tiveram grande sorte: os problemas com drogas de Andrew (que vinham desde os 7 anos de idade!) levaram a sua morte por overdose de heroína em 1990, aos 24 anos. A poucos meses antes do lançamento de “Apple” e do estouro mundial do grunge. Descrito como um palhaço triste pela família e amigos, Andrew disfarçava sua depressão e fragilidade emocional com um lado brincalhão e expansivo, como é mostrado no filme “Malfunkshun -The Andrew Wood Story”.
                                   

O trágico acontecimento deixou Seattle desolada. O amigo de longa data Chris Cornell (chegaram mesmo a dividir um apartamento) tem a idéia de lançar um disco-tributo junto a diversos músicos de Seattle. Isso se torna o Temple Of The Dog, que lança um álbum epônimo um ano depois da morte de Wood.

Ouvir o trabalho de Andrew Wood em 2014 faz todo o sentido. Passados quase 25 anos desde que morreu, a música que produziu continua instigante e atemporal (como toda boa música). Mais do que nunca, a abordagem  personalíssima e espírito inquieto conduz o ouvinte a um universo bem peculiar. Eternal life to the Love Child!

Peter Laughner: Coração das Trevas


Dentre as muitas injustiças e faltas de reconhecimento da história do rock, poucos casos são tão tristes quanto ao do genial Peter Laughner. Músico, compositor, poeta, escritor, "scenester", Peter foi uma das melhores cabeças do punk rock americano dos 70’s e foi esquecido tanto por bíblias como o livro “Mate-me por favor” quanto  pelas bandas em que ele foi diretamente responsável pela criação.
 
Peter Laughner foi  integrante e idealizador do lendário grupo pré-punk  Rocket From The Tombs, que das suas cinzas se originaram duas bandas cruciais para o punk rock: Dead Boys e Pere Ubu. 
 
Peter Laughner (primeiro da esquerda para a direita) com o Rocket From The Tombs
Para se ter idéia do moral do cara, sua morte foi lamentada pelo lendário crítico musical Lester Bangs. Bangs era extremamente iconoclasta e desdenhou da morte de medalhões como Elvis Presley e John Lennon. Mas sente profundamente a perda de Laughner em um de seus textos.
 
Da mesma forma que Bangs, Laughner também era adepto do estilo “gonzo”: encher a cara de cachaça e droga, aprontar um monte de merda e escrever suas experiências no ritmo do fluxo de pensamentos. Um exemplo disso é uma crítica sua do disco “Coney Island Baby” do Lou Reed, para a revista Creem. Peter conta que não gostou do disco, ficou alcoolizado por 3 dias, quebrou a casa toda e caiu na porrada com a esposa, por causa de um vidro de diazepam. A vida dele foi sempre assim: passional, exagerada e decadente; culminando na sua morte precoce aos 24 anos de pancreatite aguda.
 

Os registros gravados do Laughner são seu material com o Rocket From the Tombs e a irrepreensível coletânea “Take The Guitar Player For A Ride”. “Take...” é um clássico perdido, sendo metade das gravações  magníficos lo-fi  de voz e violão e a  outra metade elétrica, abordando suas participações em várias bandas anteriores ao Rocket From The Tombs e covers.
 

Há influências gritantes de Bob Dylan ("Cynderella Backstreet" é a melhor música que o Dylan não fez), belas homenagens às suas inspirações literárias (Baudelaire e à escritora americana Sylvia Plath), baladas junkie perfeitas ("Only Love Can Break your Heart" e "Amphetamine") e versões fenomenais tanto para clássicos que ajudou a compor (“Ain’t no fun”, “Life Stinks”) quanto para de compositores alheios (“Calvary Cross” do inglês Richard Thompson, “Baby’s On Fire", do Brian Eno).
 
A proposta de Laughner era fazer canções com letras profundas e "cabeça" como as do Lou Reed mas com a intensidade emocional do Iggy Pop nos Stooges. Conseguiu! Para quem gosta do estilo “trovador solitário” de artistas como  Dylan, Reed, Leonard Cohen e o agora cult Sixto Rodriguez,  Peter Laughner é um prato cheio. E também o é para os admiradores de uma boa sujeira de forma geral. Aprecie sem nenhuma moderação. Como faria o Mestre!

A Fúria Melódica do Hüsker Dü


                   
O Hüsker Dü foi uma das bandas mais visionárias e corajosas do harcore americano, desafiando um público que tendia a valorizar um purismo exagerado e avesso a maiores inovações musicais. Onde havia a preocupação com o sentimento tribal, o “movimento”, eles faziam música para indivíduos. Onde havia ortodoxia com ênfase em uma postura agressiva, o som deles era confessional e expunha medos, fraquezas e dúvidas. Até esteticamente o Hüsker Dü era bem peculiar: um sujeto com cara de frentista, outro bigodudo com jeitão de viado  mais um riponga com cabelão que tocava bateria descalço não era lá o que se esperava de uma típica imagem punk!
Logotipo do HD; o círculo simboliza a banda, as três listras horizontais os integrantes e a vertical a corrente comum de pensamento 

O Hüsker Dü surge em ’79, tendo a liderança dividida pelo guitarrista/vocalista Bob Mould e pelo baterista/vocalista Bob Mould e que eram habilmente amparados pelo baixista Grant Norton. Amavam a "blank generation" e os Ramones acima de todas as coisas,  mas também eram fortemente ligados nas melodias doces e texturas psicodélicas feitas na década anterior.
No início só tiravam covers, e é de um desses covers, “Psycho Killer” dos Talking Heads, que surgiu o nome da banda.  No verso “psycho killer qu'est-ce que c'est" eles não sabiam pronunciar a parte em francês e faziam brincadeiras com isso. Alguém disse ”Psycho Killer, Hüsker Dü” e o nome pegou. Hüsker Dü é o nome de um jogo de tabuleiro para crianças e que em sueco significa “você se lembra?”.
Hüsker Dü: o jogo
Após assistirem a um show do Black Flag, enxergam no hardcore algo novo e decidem seguir também por esse caminho. Logo gravam o ep ao vivo “Land Speed Records” e o LP “Everything falls apart”. Esses dois discos são um mar de feedback, vocais abafados e bateria atropelando tudo, sendo muito distantes do estilo que os consagrou. Mesmo seguindo uma fórmula mais convencional de muitas bandas do período, o Hüsker Dü era “diferente”.
                                            

Já logo no início essa diversidade começou a  se manifestar e passaram a se sentir desconfortáveis com o aspecto doutrinário do hardcore. Isso se reflete no próximo lançamento “Metal Circus”, onde aparecem os traços mais fortes da personalidade musical do Hüsker Dü: ênfase nas melodias e na criação de canções marcantes. A mórbida balada “Diane” (que recebeu muitos covers através dos tempos) é o maior exemplo disso. “Real world” e “It’s not fun anymore” são críticas a utopia e falta de senso de humor que povoavam os guetos punk/hc.
                           

No ápice da ambição criativa, decidem fazer o primeiro disco duplo conceitual de hardcore, contando a história de um adolescente que foge de casa, tem todo tipo de experiências e retorna “transformado” pelo conhecimento adquirido. Álbuns duplos e ainda por cima óperas-rock eram a antítese do que o Punk Rock representava, sendo associados com a megalomania da década de 70. Mas tão logo "Zen Arcade" foi lançado em 1984, redefiniu todo um estilo, sendo considerado até hoje um dos discos mais representativos já feitos. Em músicas vigorosas como “Something I learned today”, “Chartered trips", “Whatever”, “Broken home, broken heart”  não ficam nada a dever ao melhor do poppy punk praticado por Ramones e Buzzcocks, suas maiores referências. Mas o ecletismo é a principal característica de "Zen Arcade": um impressionante registro só de voz e violão de doze cordas ("Never talk to you again"), uso de piano ("Monday will never be the same") e momentos bastante noise e psicodélicos (“Hare krsna” e os quase 14 minutos de “Reocurring Dreams). O Minutemen (da SST Records também) se inspirou nessa idéia de um disco duplo e assim “Zen Arcade” e “Double Nickels and dimes” foram lançados no mesmo dia, uma estratégia de marketing que ajudou a SST a se afirmar como uma gravadora de vanguarda.
                                          

O Dü lançava discos quase que em seguida, e logo veio "New Day Rising". A faixa-título, com um verso só berrado por Mould e Hart, era um  grito primal, um mantra afirmando que um “novo dia estava nascendo”. A vida na estrada era estressante e turbulenta. E o dinheiro escasso. Os temas foram abandonando a rebeldia adolescente e adentrando um universo adulto, com ênfase em decepções e crises emocionais causadas em sua maior parte por rupturas amorosas. O fato de os  dois compositores principais da banda viverem relacionamentos homossexuais (não entre si, como sempre negaram) num tempo em que isso era bem mais estigmatizado e a AIDS era o “câncer gay” com certeza intensificou sentimentos de rejeição, descrença, abandono e inadequação, que eram a maior parte do universo temático do grupo.
 
Com a inflação de egos promovida  pela imprensa (sempre foram queridos pela crítica) nesse período se acentua uma rivalidade entre Mould e Hart por controle artístico. Mould representava o lado mais carregado emocionalmente e pessimista, enquanto as composições de Hart tinham um tom mais leve, pop e esperançoso. Algo bem semelhante ao que acontecia com a relação Lennon/McCartney.
                            
"Flip your wig", de 1985, disco predileto de Mould, marca o  último lançamento deles por um selo independente e também a opção por um som mais limpo e power pop, que daria o direcionamento adotado pela banda dai para frente.
 
Assinam com a Warner e gravam dois discos pela major. “Candy Apple Gray”  é sensivelmente mais fraco que os três discos anteriores, mas contém algumas de suas melhores músicas: ”I don’t wanna know if you are lonely”, ”Too far down”, “Dead set on destruction” e “Hardly getting over it” são as que eu gosto mais.
Em 1987 vem mais um disco duplo e também uma obra-prima:  “Warehouse: songs and histories”. Com a relação bastante desgastada entre Mould e Hart, "Warehouse" aparenta às vezer ser dois álbuns solo de dois artistas diferentes, mas isso não tira o brilho de canções irretocáveis e atemporais. É também seu último registro. O mais belo canto do cisne que se tem notícia.
O cansaço provocado pela falta de estrutura das turnês, as crises internas (agravada pelo vício de Hart em heroína) e o suícidio do empresário da banda precipitaram o fim da banda na turnê de “Warehouse”.
                                 

Mould e Hart seguem com carreiras-solo atualmente. Ainda se odeiam e não perdem qualquer oportunidade de se atacarem na imprensa. Norton virou dono de restaurante e faz participações esporádicas no meio musical.
O Hüsker Dü é um caso de banda que encerrou atividades no seu ápice e é um das poucas que podem se gabar de não  ter gravado nada ruim. Sua influência nos caminhos seguidos pelo underground é gigantesca: Nirvana, Pixies, Foo Fighters, Green Day tem uma dívida enorme com eles. Infelizmente não colheram os frutos a que faziam juz e assistiram centenas de influenciados e imitadores ficarem milionários com o som que eles desenvolveram. Em  geral  essa é a injusta  sorte dos pioneiros!

Throbbing Gristle: What a Day!

“Aqui estão três acordes, agora forme uma banda’ é a exortação punk. Já começa errado porque começa com acordes. Eles estão dizendo: seja como todo mundo, siga a tradição, você tem que aprender a tocar. Por que não dizer: forme uma banda e não importa como ela soe ou mesmo se vai soar de alguma maneira, você pode até ficar parado em silêncio por uma hora na frente da plateia e ver o que acontece?”

Peter Christopherson, Genesis P-Orridge, Tutti Fanni, Chris Carter
                      
Continuando na trilha do som industrial, que até agora deu a tônica das minhas postagens aqui no blog, escrevo hoje sobre o primeiro grupo industrial de fato (até a gravadora deles se chamava Industrial Records). O Throbbing Gristle foi a primeira banda a usar música eletrônica para trazer desconforto e estranhamento.

O uso da arte como terapia de choque para destruir condicionamentos sociais recebidos desde a infância e a crença em um “Self” puro, o “Eu” original, livre de influências externas sempre foi o que guiou a música e a vida do líder do Throbbing Gristle, Genesis Breyer P-Orridge.
 
Nascido em 1950 em Hull, na Inglaterra, com o nome de Neil Megson, na adolescência P-Orridge descobre  os Rolling Stones e por conseguinte o rock n’ roll. Mergulha então na literatura beatnik e nos grupos mais radicais da contracultura da década de 60, indo viver em comunidades.
 
Genesis P-Orridge circa 1970
Nesse universo de párias e dropouts encontrou a gostosa Cosey Fanni Tutti, que logo virou sua namorada e integrante do grupo artístico multimídia que ele montou em seguida, o COUM Transmissions.  A música era calcada nas propostas de vanguarda que o Frank Zappa e Captain Beefheart vinham desenvolvendo com a mistura de rock, free jazz e humor negro; mas eram suas performances grotescas e atentatórias ao senso comum o que rendia publicidade: Genesis pendurava cabeças de galinhas mortas no pênis, se masturbava conjuntamente com sua namorada em um vibrador de duas pontas, mastigava vermes e cuspia no público dentre outros números que no geral envolviam fluidos corporais e exploração de tabus.Viviam na mais absoluta penúria, sendo que o “P-Orridge” do nome artístico do Genesis é uma referência a uma marca de aveia, que nos tempos de vacas macérricas era o único alimento que eles tinham disponível para mantê-los de pé. Para ajudar a  pagar as contas, Tutti posava nua para diversas revistas pornográficas.
 
Genesis e Cousin em apresentação do COUM Transmissions
Cansado das apresentações teatrais, em 1975 Genesis decide se concentrar somente na música, formando o Throbbing Gristle (gíria para pênis ereto), junto com Cosey e mais Peter ‘Sleazy’ Christopherson, que havia trabalhado como assistente de designer gráfico nos estúdios Hypgnosis e Chris Carter, técnico de iluminação. Cada integrante escolheu justamente o instrumento em que tinham menos habilidade e/ou identificação. Não usavam acordes. Não tinham baterista.
 
Os primeiros shows do Throbbing Gristle coincidem justamente com a explosão do Punk Rock inglês, sendo frequentados e louvados por todo o pessoal do Bromley Contingent, mas Genesis considerava o Punk saudosista e previsível demais e não quis se alinhar. “Não existe anarquia e música ao mesmo tempo” ele dizia e em cima disso abriram mão da melodia e ritmo, dando ênfase na natureza dos sons em si, trabalhando em cima de tons, frequências e camadas de efeitos, como forma de criar hipnose e reações extremas na platéia (até mesmo a defecação espontânea).
 
Os shows do grupo tinham uma natureza tensa e imprevisível. Com uso intensivo de bases pré-gravadas em fitas k-7e vocais muitas vezes em forma de spoken word, as músicas eram criadas e gravadas instantaneamente. “Discipline”, sua obra mais conhecida, pode ser o exemplo mais claro desse estilo de fazer música totalmente ao vivo.
 
                                 

A discografia do Throbbing Gristle é extensa e confusa porque praticamente gravavam (e lançavam) todo material que produziam. Os discos mais representativos são: "Second Annual Report", "Third Annual Report", "20 Funk Jazz Greats" e "Heathen Earth".
 
Causavam repulsa na sociedade inglesa, o que pode ser conferido nas mensagens da secretária eletrônica da banda, expostas na faixa “Death Threats”. Letras tratando de sadomasoquismo ("Discipline"), misoginia ("We hate you, little girls"), pedofilia ("After cease to exist"), masturbação ("Five Knucle Shuffle"), câmaras de gás ("Zyklom B. Zombie") e assassinos em série ("Very Friendly") fizeram deles verdadeiras desgraças sociais. As capas dos álbuns também geravam controvérsia, como a de “Second Annual Report”, em que aparece uma menina impúbere mostra a calcinha numa foto de calendário. Outra digna de nota, “20 Jazz Funk Greats” a banda posa como um  grupo 'easy listening' em uma típica capa de “maiores sucessos”. O que complementa ainda mais a ironia é que essa fotografia foi tirada em  Beachy Head, um penhasco da Inglaterra e que é um dos lugares mais utilizados por suicidas no mundo!
 

Em '78, há uma ruptura entre o casal Genesis/Cousin. O motivo é que Cousin trocou P-Orridge por Chris Carter. Genesis tenta se matar ingerindo tranquilizantes e bebida alcóolica, o que é narrado na letra de “Weeping”: 'Você não me viu chorando pelo chão. Você não me viu engolindo meus comprimidos.'
 
Para tentar evitar que o grupo se dissolvesse e ajudar na melhora do estado mental de Genesis, entra na história Monte Cazazza, que se transforma numa espécie de quinto integrante e mentor intelectual do grupo. Artista avant-gard fissurado em "survivalism" (não existe uma tradução exata em português mas é quem espera e se prepara para qualquer tipo de cataclisma) e armamentos, Cazazza  transforma o TG em uma  banda quase fascista.  Genesis rapa a cabeça e o TG passa a se utilizar de camuflagem e idumentárias militares. No auge da paranóia, que antes era apenas estética, começaram a vender armas, uniformes e kits de sobrevivência pelos correios e idelizaram mesmo criar um grupo paramilitar de seguidores.
 
Monte Cazazza
Com isso a  banda ainda sobrevive por mais um tempo mas as relações entre Genesis, Tutti e Carter estavam insuportáveis prá se continuar, finalizando suas atividades em 1981. Em uma declaração em seu último show, na Califórnia, Genesis disse que “a missão havia terminado”, que o TG havia levado o rock a sair das raízes do blues agrário e criou um novo tipo de musica (ou anti-música) apropriado para a sociedade pós-industrial. Da dissolução do Throbbing Gristle surge dois grupos: Genesis e Peter Christopherson montam o Psychic TV e Cosey e Carter o Chris & Cosey.

Em 2004 houve uma breve e fabulosa reunião dos membros originais para alguns shows, rendendo o fenomenal box de dvd’s “TGV: The Video Archive of Throbbing Gristle”, que contém o melhor dessas apresentações e mais material da década de 70. Infelizmente Peter Christopherson morreu em 2010, inviabilizando outra reunião com os membros originais.

TG nos 00's
O Psychic TV continua em atividade e Genesis continua sendo figura das mais expressivas no underground, sempre aparecendo de alguma forma na mídia alternativa, escrevendo prefácios de livros ou aparecendo em documentários. Suas entrevistas são brilhantes, mostrando boa argumentação e lucidez que impressionam; ainda mais na sua condição de sobrevivente, como ele próprio se denomina. Com o surgimento da internet seu trabalho e do Throbbing Gristle estão sendo descobertos por uma nova geração de fãs e alcançando um nível de reconhecimento que até então era inédito. Antes (bem) tarde do que nunca, com toda a certeza. Industrial Music For Industrial People!

O ódio high-tech do Nine Inch Nails


O Nine Inch Nails é tido como a banda definitiva do chamado rock industrial, por ter conseguido aliar um elevado padrão artístico com sucesso comercial num nível até então inédito dentro do estilo.
 
A trajetória do NIN é uma das mais peculiares. A começar pela sua situação de one-man-band. A despeito da qualidade de numerosos colaboradores através dos anos, quem sempre ditou o direcionamento artístico foi o líder Trent Reznor.

Trent Reznor, com os dedos nas orelhas, em momento synthpop com o grupo Option 30
Reznor começou uma carreira musical em meados dos anos 80, em grupos synthpop bem coxa e mauriçola no estilo de artistas como Falco e Icehouse. A guinada para o som mais agressivo e rock veio com a influência do que Al Jourgensen vinha fazendo com o Ministry e Revolting Cocks, na mistura de música eletrônica com guitarras distorcidas. O próprio TR cita “The Land of Rape and Honey” como o disco mais importante para a definição da sonoridade do NIN, que foi formado no mesmo ano do lançamento do disco do Ministry. Trent, que também era grande fã da teatralidade a grandiloquência do rock arena de bandas como Queen e Kiss, resolveu então apostar nesse caminho.

A sensibilidade mais pop, para  ganchos melódicos certeiros no meio do barulho, era  o que mais chamava a atenção no som do NIN e os diferenciava dos demais colegas de industrial no período. Para ser bem justo, seu debut "Pretty Hate Machine" (1989), soa como uma combinação de Ministry com Depeche Mode. Peado, dark e estranhamente... dançante. "Head like a hole", "Sin" e "Terrible Lie" são os maiores arreagaços dessa estréia brilhante. “Something I can never have”, executada no piano, antecipa um estilo de balada depressiva com ares junkie feita na década seguinte.
 

O lançamento seguinte, o EP "Broken", é o disco maisexplicitamente porrada do NIN. A capa é uma propaganda fiel do que o som é: altamente inflamável. É rock como deve ser, daquele que os filhos não ouvem junto com os pais. Uma massa de sintetizadores esmagando tudo como um rolo compressor, vocais soterrados, bateria hardcore. A parte visual sempre foi importante para a banda e para o industrial de forma geral na sua proposta de chocar, então foram feitos vídeos para quase todas as faixas. O clipe de "Happiness in Slavery" (dirigido pelo ex-Throbbing Gristle Peter Christopherson) é considerado  o mais extremo já exibido pela MTV.
 

O NIN sempre teve uma relação estranha com a grande mídia. O som não necessariamente acessível e as letras cheias de palavrões, referências a sadomasoquismo, tabus e ao lado negro da vida humana, era difícil prás FMs e MTV; mas pela esperteza, senso de marketing, ineditismo e nivel de produção, formou-se uma  curiosidade em torno da banda e em pouco tempo conseguiram chamar muita atenção. O underground ficou pequeno prá eles.
 
Estúdio construído em Cielo Drive, para a gravação de Downward Spiral
Seguindo esse caminho polêmico e marketeiro, "The Downward Spiral", de 1994, foi seu projeto mais ambicioso. Gravado na mansão de número 10050, Cielo Drive, em Los Angeles, onde a atriz Sharon Tate foi assassinada com mais quatro pessoas pela “família” do líder messiânico Charles Manson é considerado o melhor disco do NIN e essencial para se entender a década de 90. Um álbum díficil, carregado, com um alto grau de isolamento transparecendo, lembrando os discos do David Bowie no seu exílio em Berlim ("Low", "Heroes" e "Lodger"). "Closer" com seus versos: “Eu quero te foder como um animal. Eu quero sentir você por dentro. Toda minha existência é falha. Você me aproxima de Deus”, virou um grande hit e caiu no gosto até de fãs de cultura pop. "Hurt" foi imortalizada quase 10 anos depois, em sua versão definitiva, regravada por Johnny Cash num álbum que saiu pouco depois de sua morte.
 

A consagração total veio com uma apresentação feita no Woodstock de 1994, em comemoração dos 25 anos do clássico festival de 69, onde o NIN foi a grande atração do festival, desbancando medalhões como Metallica e Aerosmith. Visceral, com banda e platéia cobertos de lama, parecendo não se importar com mais nada.
 
No mesmo ano Trent produziu a trilha sonora do filme “Assassinos por natureza” (Natural Born Killers), dirigido pelo Oliver Stone e com roteiro de Quentin Tarantino. Uma das melhores trilhas sonoras já feitas, tendo o próprio NIN  contribuído com uma música ("Burn", um dos seus grandes momentos e a faixa que é mais a cara do filme).
 

Com o sucesso e tudo o que vem junto, Reznor nesse período passa por um grave problema com drogas, que se estenderia até meados da década seguinte. Após o fim da Downward Spiral Tour, ele produz “The Antichrist Superstar”, do Marilyn Manson, outro marco inegável da década, gostando-se ou não. O álbum também marca o desgaste de uma parceria que vinha de longo tempo (MM era uma espécie de apadrinhado do Reznor). Os dois cortam relações e uma onda de declarações insultuosas veio pela imprensa dos dois lados. O estopim disso foi o Marilyn Manson ter afirmado de que manteve um caso amoroso com Trent por um longo período, o que Trent negou veementemente, afirmando que MM não tinha limite para a baixeza como forma de autopromoção. Houve tentativas de reaproximação, até a gravação de um clipe juntos ("Starfuckers", do NIN) mas a animosidade persiste até hoje.

Com as crises pessoais e mais voltado para a carreira de produtor, somente em 99 é lançado o sucessor de "Downward Spiral", o CD duplo "Fragile". Uma decepção para a crítica e boa parte dos fãs na época, que esperavam por um "Downward Spiral parte II". Avaliando hoje, é mais uma obra-prima, com um NIN mais à vontade para ser eclético (há de stoner rock a funk, baladas não-convencionais e um monte de instrumentais). Guardadas as devidas proporções, representa mais ou menos o que “The Wall” fez pelo Pink Floyd no final da década de 70, um disco duplo auto-indulgente concebido basicamente por uma cabeça só mas cheio de grandes momentos.


Mais seis anos de espera até o próximo álbum e temos “With Teeth” (2005), uma espécie de "ressurreição" de Trent, onde ele aparece mais saudável (conseguiu se recuperar das drogas), pela primeira vez de cabelos curtos e numa versão marombada. A idade (então beirando os 40 anos) parece que deixou Trent mais positivo e esperançoso.  O som é mais coeso, linear, deixando para trás as experimentações e caráter de ópera-rock dos dois álbuns anteriores. As canções funcionavam independentemente umas das outras, o que combinava mais com a geração dos downloads e mp3 players. “The hands that feeds” é o grande hit do disco, mirando direto na administração George W. Bush. No mesmo ano houve a primeira vinda do NIN ao Brasil, no extinto festival Claro Q é Rock, que também contava com Stooges e Sonic Youth.
 

Em 2007 (rápido demais para os padrões NIN) é lançado "Year Zero", disco que trabalha em cima do conceito de distopia e realidades virtuais baseadas em video-games, com um mundo ambientado no ano de 2022. Os maiores destaques são para as músicas "Capital G" e "Survivalism".
 
Um ano depois são lançados dois álbuns, “Ghosts I-IV” e "Sleep". "Ghosts" é totalmente experimental, sem nome de faixas e material quase todo instrumental. A forma de comercialização do álbum também inovou, seguindo o que o Radiohead fez com “In Rainbows”, disponibilizando o álbum on-line onde os fãs poderiam baixar os álbuns de graça ou pagar o que quisessem. Edições físicas deluxe também foram feitas, sendo comercializadas por preços altos, que chegavam a 300 dólares. Ganharam muito dinheiro com essa estratégia. Já "Sleep" é NIN propriamente dito, na linha mais parcimoniosa e sóbria adotada desde o With Teeth.
 
Em 2013 sai "Hesitation Marks", tendo excelente recepção pela crítica e boa aceitação pelo público. Nada que vá salvar a vida de alguém, mas que dá uma surra em 90% do material que é produzido pelas bandas atuais.
 
                                  

A turnê de Hesitations rendeu uma apresentação recente do NIN no Brasil, que como sempre é um dos maiores espetáculos da Terra. Trent é um grande performer, seja com fúria nos olhos ou fazendo dancinhas. Sua muito, arremessa o microfone no chão, quebra sintetizadores. A atmosfera tensa do show, de caos controlado, é  industrial até a alma. O grande número de efeitos visuais dão uma qualidade hipnótica maior ao show e é um dos raros casos em que esse tipo de produção exagerada soma mais do que diminui a um grupo de rock. Fabuloso. Devastador. Catártico!

É clichê dizer que não há e nunca houve outra banda fazendo o que eles fazem, mas é a primeira coisa que me vem a cabeça e também a mais acertada que se pode dizer deles. Pouca gente pode se gabar disso e esse grau de personalidade significa tudo nesse universo povoado pelo mais do mesmo e por bandas mornas. NIN é ousadia (e de tempos prá cá com um cadiquinho de alegria). Perfeito.

Discografia - Baixe aqui

The Raincoats ou O Conto de Fadas no Supermercado

“Quando eu ouço The Raincoats eu me sinto como se eu fosse um intruso espiando em um sótão,no escuro. Estamos juntos na mesma casa velha e eu tenho que estar completamente imóvel ou elas vão me ouvir espiar por cima e,se eu for pego - tudo será arruinado porque é a coisa delas.” - Kurt Cobain.


Ao contrário de muitas bandas punk que pregavam os 3 acordes e a não-evolução musical  mas que na verdade eram músicos experientes e habilidosos, as Raincoats aprenderam mesmo a ‘tocar tocando’, na frente da platéia, começando literalmente do zero. Possuindo  uma postura tímida e não utilizando artifícios visuais (tocavam com roupas do dia-a-dia e sem maquiagem), muitas vezes parece que faziam música para si mesmas, como Kurt Cobain escreveu no texto acima. Uma das forças mais inventivas do pós-punk , atingindo um grau de personalidade em que os colegas de época e os novos aspirantes apenas sonha(ra)m em alcançar.


O álbum de estréia, epônimo, veio em 79, lançado pela Rough Trade. Ouvindo, dá prá imaginar que os ensaios devem ter sido intensivos, porque o entrosamento é total. "Raincoats", o disco, é cheio de garra, frescor, energia, vontade. Os vocais juvenis, a guitarra ritmica forte e cheia de boas idéias da portuguesa Ana da Silva,  o baixo destacado da Gina Birch, os violinos velvetianos de Vicky Aspinal  e a bateria empolgante e precisa de Palmolive (então recém-saída das Slits) fazem desse um álbum em que a extrema simplicidade só reforça sua natureza fenomenal. Um disco que faz apaixonar fácil, de não querer ouvir outra coisa durante muito tempo. Tudo aqui é destaque, sendo que se for para citar músicas e indicar,vai as que eu mais gosto então: a tríade“No side to fall in”, “Adventures close to home” e “Off duty trip” (as mais non-stop do disco, que vem em sequência desfolegante), “Fairytale in the supermarket”(que saiu originalmente em single, mas que nas edições posteriores foi incorporada ao CD), “In Love”...
 

“The void” é uma das melhores músicas sobre a  adolescência já feita. É como se fosse o Holden Caufield (o personagem confuso do clássico livro “O apanhador do campo de centeio) musicado. Poucos versos, poucos acordes, baixo à “Walk on the wild side” e temos um verdadeiro monumento do minimalismo. Incrível o poder desse som e o universo de sensações que consegue causar.
O momento mais descontraído vem com o cover de “Lola”, do Kinks. Aqui a clássica música de Ray Davies que fala de um affair não-intencional com um travesti é colocada para explicitar questões de gênero sexual. Elas não usavam a política num sentido mais panfletário, preferindo sempre fazer isso por meio de histórias, como também na letra de “Off Duty Trip”, que fala sobre um caso de estupro em que o juiz foi complacente para não prejudicar a carreira militar do oficial acusado.
 

Após a estréia Palmolive, que já era surtada, pira de vez e sai da banda. Isso muda totalmente o direcionamento que até então elas estavam tendo. Começam a compor músicas sem imaginar uma bateria acompanhando.  Abraçaram então uma tendência da época em soar propositalmente anti-rock e com isso lançam o estranho mas não menos genial “Odyshape”. As estruturas das músicas são mais livres, lembrando free jazz. A incorporação de instrumentos africanos (balafone e Kalimba) dão um tom tribal, étnico. "Odyshape" lembra dois gêneros desgraçados: world music e new age. Isso se esses gêneros fossem  feitos por  não-yuppies. A mixagem também é estranha: baixo, percussão e efeitos sonoros em primeiro plano, lembrando muito as maluquices dub do mestre jamaicano Lee Perry. Robert Wyatt, artista de vanguarda, ex-Soft Machine e colega de gravadora delas, toca a maioria das percussões no álbum. Um álbum excelente,  que mesmo não tendo o apelo instântaneo do anterior, vale tudo ser descoberto.
 

Depois disso lançam "Kitchen Tapes", gravado ao vivo em New York e lançada em cassete pela Roir, um dos principais selos independentes americanos. Um grande disco.
 
"Moving" (1984) é uma continuação de Odyshape, porém mais dançante e com um jeito menos ‘espiritual’.  Incrível como elas se especializaram nesse tipo de som exótico, bem próprio, que só pode ser classificado como “The Raincoats Music”.



A banda acaba logo após e vem um período de ostracismo total, que só é quebrado em 93, quando a major Geffen relança (por sugestão de Kurt Cobain, fã incondicional) a discografia do grupo. Com esse incentivo elas retornam aos palcos e gravam  um ep e um álbum ("Looking in the shadows") nos 90’s que são bem interessantes e possuem a participação de Steve Shelley, do Sonic Youth.
 

Desde então continuam na ativa e participando de festivais underground, mesmo com todos os apesares (Gina e Ana da Silva tem uma relação de amor e ódio e muitas vezes saem na porrada). Recentemente Birch disse que vai fazer um documentário sobre o grupo. Pussy Power!

Baixe aqui - Raincoats (1980)