O ódio high-tech do Nine Inch Nails


O Nine Inch Nails é tido como a banda definitiva do chamado rock industrial, por ter conseguido aliar um elevado padrão artístico com sucesso comercial num nível até então inédito dentro do estilo.
 
A trajetória do NIN é uma das mais peculiares. A começar pela sua situação de one-man-band. A despeito da qualidade de numerosos colaboradores através dos anos, quem sempre ditou o direcionamento artístico foi o líder Trent Reznor.

Trent Reznor, com os dedos nas orelhas, em momento synthpop com o grupo Option 30
Reznor começou uma carreira musical em meados dos anos 80, em grupos synthpop bem coxa e mauriçola no estilo de artistas como Falco e Icehouse. A guinada para o som mais agressivo e rock veio com a influência do que Al Jourgensen vinha fazendo com o Ministry e Revolting Cocks, na mistura de música eletrônica com guitarras distorcidas. O próprio TR cita “The Land of Rape and Honey” como o disco mais importante para a definição da sonoridade do NIN, que foi formado no mesmo ano do lançamento do disco do Ministry. Trent, que também era grande fã da teatralidade a grandiloquência do rock arena de bandas como Queen e Kiss, resolveu então apostar nesse caminho.

A sensibilidade mais pop, para  ganchos melódicos certeiros no meio do barulho, era  o que mais chamava a atenção no som do NIN e os diferenciava dos demais colegas de industrial no período. Para ser bem justo, seu debut "Pretty Hate Machine" (1989), soa como uma combinação de Ministry com Depeche Mode. Peado, dark e estranhamente... dançante. "Head like a hole", "Sin" e "Terrible Lie" são os maiores arreagaços dessa estréia brilhante. “Something I can never have”, executada no piano, antecipa um estilo de balada depressiva com ares junkie feita na década seguinte.
 

O lançamento seguinte, o EP "Broken", é o disco maisexplicitamente porrada do NIN. A capa é uma propaganda fiel do que o som é: altamente inflamável. É rock como deve ser, daquele que os filhos não ouvem junto com os pais. Uma massa de sintetizadores esmagando tudo como um rolo compressor, vocais soterrados, bateria hardcore. A parte visual sempre foi importante para a banda e para o industrial de forma geral na sua proposta de chocar, então foram feitos vídeos para quase todas as faixas. O clipe de "Happiness in Slavery" (dirigido pelo ex-Throbbing Gristle Peter Christopherson) é considerado  o mais extremo já exibido pela MTV.
 

O NIN sempre teve uma relação estranha com a grande mídia. O som não necessariamente acessível e as letras cheias de palavrões, referências a sadomasoquismo, tabus e ao lado negro da vida humana, era difícil prás FMs e MTV; mas pela esperteza, senso de marketing, ineditismo e nivel de produção, formou-se uma  curiosidade em torno da banda e em pouco tempo conseguiram chamar muita atenção. O underground ficou pequeno prá eles.
 
Estúdio construído em Cielo Drive, para a gravação de Downward Spiral
Seguindo esse caminho polêmico e marketeiro, "The Downward Spiral", de 1994, foi seu projeto mais ambicioso. Gravado na mansão de número 10050, Cielo Drive, em Los Angeles, onde a atriz Sharon Tate foi assassinada com mais quatro pessoas pela “família” do líder messiânico Charles Manson é considerado o melhor disco do NIN e essencial para se entender a década de 90. Um álbum díficil, carregado, com um alto grau de isolamento transparecendo, lembrando os discos do David Bowie no seu exílio em Berlim ("Low", "Heroes" e "Lodger"). "Closer" com seus versos: “Eu quero te foder como um animal. Eu quero sentir você por dentro. Toda minha existência é falha. Você me aproxima de Deus”, virou um grande hit e caiu no gosto até de fãs de cultura pop. "Hurt" foi imortalizada quase 10 anos depois, em sua versão definitiva, regravada por Johnny Cash num álbum que saiu pouco depois de sua morte.
 

A consagração total veio com uma apresentação feita no Woodstock de 1994, em comemoração dos 25 anos do clássico festival de 69, onde o NIN foi a grande atração do festival, desbancando medalhões como Metallica e Aerosmith. Visceral, com banda e platéia cobertos de lama, parecendo não se importar com mais nada.
 
No mesmo ano Trent produziu a trilha sonora do filme “Assassinos por natureza” (Natural Born Killers), dirigido pelo Oliver Stone e com roteiro de Quentin Tarantino. Uma das melhores trilhas sonoras já feitas, tendo o próprio NIN  contribuído com uma música ("Burn", um dos seus grandes momentos e a faixa que é mais a cara do filme).
 

Com o sucesso e tudo o que vem junto, Reznor nesse período passa por um grave problema com drogas, que se estenderia até meados da década seguinte. Após o fim da Downward Spiral Tour, ele produz “The Antichrist Superstar”, do Marilyn Manson, outro marco inegável da década, gostando-se ou não. O álbum também marca o desgaste de uma parceria que vinha de longo tempo (MM era uma espécie de apadrinhado do Reznor). Os dois cortam relações e uma onda de declarações insultuosas veio pela imprensa dos dois lados. O estopim disso foi o Marilyn Manson ter afirmado de que manteve um caso amoroso com Trent por um longo período, o que Trent negou veementemente, afirmando que MM não tinha limite para a baixeza como forma de autopromoção. Houve tentativas de reaproximação, até a gravação de um clipe juntos ("Starfuckers", do NIN) mas a animosidade persiste até hoje.

Com as crises pessoais e mais voltado para a carreira de produtor, somente em 99 é lançado o sucessor de "Downward Spiral", o CD duplo "Fragile". Uma decepção para a crítica e boa parte dos fãs na época, que esperavam por um "Downward Spiral parte II". Avaliando hoje, é mais uma obra-prima, com um NIN mais à vontade para ser eclético (há de stoner rock a funk, baladas não-convencionais e um monte de instrumentais). Guardadas as devidas proporções, representa mais ou menos o que “The Wall” fez pelo Pink Floyd no final da década de 70, um disco duplo auto-indulgente concebido basicamente por uma cabeça só mas cheio de grandes momentos.


Mais seis anos de espera até o próximo álbum e temos “With Teeth” (2005), uma espécie de "ressurreição" de Trent, onde ele aparece mais saudável (conseguiu se recuperar das drogas), pela primeira vez de cabelos curtos e numa versão marombada. A idade (então beirando os 40 anos) parece que deixou Trent mais positivo e esperançoso.  O som é mais coeso, linear, deixando para trás as experimentações e caráter de ópera-rock dos dois álbuns anteriores. As canções funcionavam independentemente umas das outras, o que combinava mais com a geração dos downloads e mp3 players. “The hands that feeds” é o grande hit do disco, mirando direto na administração George W. Bush. No mesmo ano houve a primeira vinda do NIN ao Brasil, no extinto festival Claro Q é Rock, que também contava com Stooges e Sonic Youth.
 

Em 2007 (rápido demais para os padrões NIN) é lançado "Year Zero", disco que trabalha em cima do conceito de distopia e realidades virtuais baseadas em video-games, com um mundo ambientado no ano de 2022. Os maiores destaques são para as músicas "Capital G" e "Survivalism".
 
Um ano depois são lançados dois álbuns, “Ghosts I-IV” e "Sleep". "Ghosts" é totalmente experimental, sem nome de faixas e material quase todo instrumental. A forma de comercialização do álbum também inovou, seguindo o que o Radiohead fez com “In Rainbows”, disponibilizando o álbum on-line onde os fãs poderiam baixar os álbuns de graça ou pagar o que quisessem. Edições físicas deluxe também foram feitas, sendo comercializadas por preços altos, que chegavam a 300 dólares. Ganharam muito dinheiro com essa estratégia. Já "Sleep" é NIN propriamente dito, na linha mais parcimoniosa e sóbria adotada desde o With Teeth.
 
Em 2013 sai "Hesitation Marks", tendo excelente recepção pela crítica e boa aceitação pelo público. Nada que vá salvar a vida de alguém, mas que dá uma surra em 90% do material que é produzido pelas bandas atuais.
 
                                  

A turnê de Hesitations rendeu uma apresentação recente do NIN no Brasil, que como sempre é um dos maiores espetáculos da Terra. Trent é um grande performer, seja com fúria nos olhos ou fazendo dancinhas. Sua muito, arremessa o microfone no chão, quebra sintetizadores. A atmosfera tensa do show, de caos controlado, é  industrial até a alma. O grande número de efeitos visuais dão uma qualidade hipnótica maior ao show e é um dos raros casos em que esse tipo de produção exagerada soma mais do que diminui a um grupo de rock. Fabuloso. Devastador. Catártico!

É clichê dizer que não há e nunca houve outra banda fazendo o que eles fazem, mas é a primeira coisa que me vem a cabeça e também a mais acertada que se pode dizer deles. Pouca gente pode se gabar disso e esse grau de personalidade significa tudo nesse universo povoado pelo mais do mesmo e por bandas mornas. NIN é ousadia (e de tempos prá cá com um cadiquinho de alegria). Perfeito.

Discografia - Baixe aqui

2 thoughts on “O ódio high-tech do Nine Inch Nails”

  1. No rio teve um shw, close up Planet, tocou sonic youth, flaming lips, the stooges, e nine inch nails, e em cima da hora os cambistas tavam vendendo ingresso a 10 reais! Ah muleque!
    www.vontadeluta.blogspot.com

  2. Eu lembro disso, Brutal420. Foi no Claro Q É Rock. Dizem que foi um fiasco de público e no final teve o desespero que você comentou prá vender os ingressos.Foi num domingo, choveu e foi lama pura, pelo que fiquei sabendo.Não me perdôo até hoje por nunca ter visto Stooges (perdi eles em 2009 tb, fiquei sabendo um mês depois). Agora que o Scott Asheton morreu, sem chance!

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