Masters of Reality: Plebéias da Idade da Pedra


Há muito tempo lia em um lugar ou outro sobre o Masters of Reality, mas por algum motivo nunca havia tido interesse em conhecer a tal “banda de stoner rock do Chris Goss”, que para quem não sabe, é o produtor de grande parte do material do Kyuss e do Queens of The Stone Age. O possível motivo desse meu desdém é que bandas do estilo  se multiplicaram aos milhares e como o estilo se baseia em soar vintage e reverenciar uma época, acabam muitas vezes se limitando ao que já foi feito e resultando em trabalhos previsíveis e irrelevantes. Para cada banda com personalidade que aparece, há dezenas de milhares de bandas que não acrescentam absolutamente nada e que a característica retrô soa forçada. Bom, esse não é mesmo o caso do Masters of Reality. Há alguns meses, por encontros felizes que só o acaso traz, tive contato com o trabalho deles, em links do youtube e fiquei totalmente bestificado pela excelência e identidade do som. Não é exagero dizer que são um dos segredos mais bem guardados da história do rock. 
 

A banda foi formada em New York no ínicio da década de 80 e ainda existe, tendo durante todo esse tempo diversas encarnações, sendo que o único integrante que permaneceu em todas elas é o já citado Chris Goss, que é seu líder, vocalista, guitarrista e mentor espiritual. Goss tirou o nome da banda do  título do 3º álbum do Black Sabbath, que é considerado como o marco zero do stoner.
 
Com uma sonoridade que nada tinha a ver com a década de 80, dominada pelo glam, só foram gravar seu debut em 1989; graças a uma demo que caiu nas mãos do sabbathmaníaco Rick Rubin, que se interessou em produzi-los. O resultado é uma estréia sensacional. O álbum, autointitulado, tem riffs e mais riffs empolgantes e cheios de groove que beberam da fonte dos primeiros trabalhos do Led Zeppelin e do Experience do Hendrix, mas que não soam como cópias ou requentados. Goss é um grande criador de melodias assobiáveis, bem no estilo Beatles, que é uma das maiores qualidades do som, o que faz as músicas soarem bem diferentes entre si. Outra coisa que chama muito a atenção é a semelhança dos vocais de Goss com os do Josh Homme (que claramente surrupiou seu estilo vocal), o que faz parecer por diversas vezes que estamos ouvindo o QOTSA. Conseguiram um mini-hit com esse disco, “Domino”, que entra na trilha sonora do filme “Marcado para morrer” do astro de filmes de ação Steven Seagal.
 

Com as conexões no meio musical do Chris Goss, trazem  para o segundo álbum, “Sunrise to sufferbus”  a participação do lendário baterista do Cream, Ginger Baker;  que não chega a sair em turnê com eles. O som fica um pouco mais blues que no primeiro álbum fazendo lembrar em alguns momentos o protometal da ex-banda de Baker.  Mas “Sunrise...”  está no mesmo nível de qualidade do anterior. Isso prá não dizer que o resultado ficou ainda melhor e que talvez seja seu melhor disco. Impecável.
 

Mais concentrado na carreira de produtor que paralelamente desenvolvia com o Kyuss, Chris Goss passa a primeira metade da década de 90 deixando o Masters of Reality em segundo plano, gravando materiais esparsos (que mais tarde seriam compilados no disco “The Ballad of Jody Frost”) e fazendo poucos shows.
 
Masters com Ginger Baker (à esquerda)
Em 97 o MOR retorna com o menos inspirado “Welcome to western lodge”, e em 2001 com o noiado “Deep in the hole”. Esse último tem participações de Josh Homme, Nick Oliveri e Mark Lanegan, que então estavam no auge da drogadição e com isso percebe-se a mudança da banda dos climas mais up para coisas mais melancólicas e cheias de paranóia, principalmente nas faixas com participação do Lanegan. Dessa turnê vem também um dos melhores álbum ao vivo já gravados,"Flak n' Fight" que transmite muito bem o clima caótico, poderoso e imprevisível  das apresentações. Mal comparando, lembra um pouco a psicodelia sujona e o clima de insanidade do também ao vivo “Space Ritual”, do Hawkwind.
 

Em seguida temos o lançamento de "Give us Barabbas", que é uma compilação de várias músicas já gravadas pela banda num formato mais acústico. Um belo disco, mas que destoa um pouco dos anteriores.
O último disco gravado, “Pine Cross/Drover” retorna ao caminho do peso e é  também um trabalho bem interessante, mas sem maiores destaques.
 
Nick Oliveri, Chris Goss e Josh Homme
Com no mínimo quatro obras-primas e o restante variando de bom a excelente, vale a pena conhecer toda a discografia deles. Goss continua bastante ativo e participando de um milhão de projetos, o último deles do disco de estréia do Mojave Lords (nova banda de seu amigo Dave Catching e o melhor lançamento de 2014, até agora).
 

O Masters of Reality serve de inspiração não só para fãs de stoner ou mesmo de rock, mas de todo fã de boa música. É um tipo de pureza e autenticidade raras num universo que a cada dia se torna mais venal.

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