A Fúria Melódica do Hüsker Dü


                   
O Hüsker Dü foi uma das bandas mais visionárias e corajosas do harcore americano, desafiando um público que tendia a valorizar um purismo exagerado e avesso a maiores inovações musicais. Onde havia a preocupação com o sentimento tribal, o “movimento”, eles faziam música para indivíduos. Onde havia ortodoxia com ênfase em uma postura agressiva, o som deles era confessional e expunha medos, fraquezas e dúvidas. Até esteticamente o Hüsker Dü era bem peculiar: um sujeto com cara de frentista, outro bigodudo com jeitão de viado  mais um riponga com cabelão que tocava bateria descalço não era lá o que se esperava de uma típica imagem punk!
Logotipo do HD; o círculo simboliza a banda, as três listras horizontais os integrantes e a vertical a corrente comum de pensamento 

O Hüsker Dü surge em ’79, tendo a liderança dividida pelo guitarrista/vocalista Bob Mould e pelo baterista/vocalista Bob Mould e que eram habilmente amparados pelo baixista Grant Norton. Amavam a "blank generation" e os Ramones acima de todas as coisas,  mas também eram fortemente ligados nas melodias doces e texturas psicodélicas feitas na década anterior.
No início só tiravam covers, e é de um desses covers, “Psycho Killer” dos Talking Heads, que surgiu o nome da banda.  No verso “psycho killer qu'est-ce que c'est" eles não sabiam pronunciar a parte em francês e faziam brincadeiras com isso. Alguém disse ”Psycho Killer, Hüsker Dü” e o nome pegou. Hüsker Dü é o nome de um jogo de tabuleiro para crianças e que em sueco significa “você se lembra?”.
Hüsker Dü: o jogo
Após assistirem a um show do Black Flag, enxergam no hardcore algo novo e decidem seguir também por esse caminho. Logo gravam o ep ao vivo “Land Speed Records” e o LP “Everything falls apart”. Esses dois discos são um mar de feedback, vocais abafados e bateria atropelando tudo, sendo muito distantes do estilo que os consagrou. Mesmo seguindo uma fórmula mais convencional de muitas bandas do período, o Hüsker Dü era “diferente”.
                                            

Já logo no início essa diversidade começou a  se manifestar e passaram a se sentir desconfortáveis com o aspecto doutrinário do hardcore. Isso se reflete no próximo lançamento “Metal Circus”, onde aparecem os traços mais fortes da personalidade musical do Hüsker Dü: ênfase nas melodias e na criação de canções marcantes. A mórbida balada “Diane” (que recebeu muitos covers através dos tempos) é o maior exemplo disso. “Real world” e “It’s not fun anymore” são críticas a utopia e falta de senso de humor que povoavam os guetos punk/hc.
                           

No ápice da ambição criativa, decidem fazer o primeiro disco duplo conceitual de hardcore, contando a história de um adolescente que foge de casa, tem todo tipo de experiências e retorna “transformado” pelo conhecimento adquirido. Álbuns duplos e ainda por cima óperas-rock eram a antítese do que o Punk Rock representava, sendo associados com a megalomania da década de 70. Mas tão logo "Zen Arcade" foi lançado em 1984, redefiniu todo um estilo, sendo considerado até hoje um dos discos mais representativos já feitos. Em músicas vigorosas como “Something I learned today”, “Chartered trips", “Whatever”, “Broken home, broken heart”  não ficam nada a dever ao melhor do poppy punk praticado por Ramones e Buzzcocks, suas maiores referências. Mas o ecletismo é a principal característica de "Zen Arcade": um impressionante registro só de voz e violão de doze cordas ("Never talk to you again"), uso de piano ("Monday will never be the same") e momentos bastante noise e psicodélicos (“Hare krsna” e os quase 14 minutos de “Reocurring Dreams). O Minutemen (da SST Records também) se inspirou nessa idéia de um disco duplo e assim “Zen Arcade” e “Double Nickels and dimes” foram lançados no mesmo dia, uma estratégia de marketing que ajudou a SST a se afirmar como uma gravadora de vanguarda.
                                          

O Dü lançava discos quase que em seguida, e logo veio "New Day Rising". A faixa-título, com um verso só berrado por Mould e Hart, era um  grito primal, um mantra afirmando que um “novo dia estava nascendo”. A vida na estrada era estressante e turbulenta. E o dinheiro escasso. Os temas foram abandonando a rebeldia adolescente e adentrando um universo adulto, com ênfase em decepções e crises emocionais causadas em sua maior parte por rupturas amorosas. O fato de os  dois compositores principais da banda viverem relacionamentos homossexuais (não entre si, como sempre negaram) num tempo em que isso era bem mais estigmatizado e a AIDS era o “câncer gay” com certeza intensificou sentimentos de rejeição, descrença, abandono e inadequação, que eram a maior parte do universo temático do grupo.
 
Com a inflação de egos promovida  pela imprensa (sempre foram queridos pela crítica) nesse período se acentua uma rivalidade entre Mould e Hart por controle artístico. Mould representava o lado mais carregado emocionalmente e pessimista, enquanto as composições de Hart tinham um tom mais leve, pop e esperançoso. Algo bem semelhante ao que acontecia com a relação Lennon/McCartney.
                            
"Flip your wig", de 1985, disco predileto de Mould, marca o  último lançamento deles por um selo independente e também a opção por um som mais limpo e power pop, que daria o direcionamento adotado pela banda dai para frente.
 
Assinam com a Warner e gravam dois discos pela major. “Candy Apple Gray”  é sensivelmente mais fraco que os três discos anteriores, mas contém algumas de suas melhores músicas: ”I don’t wanna know if you are lonely”, ”Too far down”, “Dead set on destruction” e “Hardly getting over it” são as que eu gosto mais.
Em 1987 vem mais um disco duplo e também uma obra-prima:  “Warehouse: songs and histories”. Com a relação bastante desgastada entre Mould e Hart, "Warehouse" aparenta às vezer ser dois álbuns solo de dois artistas diferentes, mas isso não tira o brilho de canções irretocáveis e atemporais. É também seu último registro. O mais belo canto do cisne que se tem notícia.
O cansaço provocado pela falta de estrutura das turnês, as crises internas (agravada pelo vício de Hart em heroína) e o suícidio do empresário da banda precipitaram o fim da banda na turnê de “Warehouse”.
                                 

Mould e Hart seguem com carreiras-solo atualmente. Ainda se odeiam e não perdem qualquer oportunidade de se atacarem na imprensa. Norton virou dono de restaurante e faz participações esporádicas no meio musical.
O Hüsker Dü é um caso de banda que encerrou atividades no seu ápice e é um das poucas que podem se gabar de não  ter gravado nada ruim. Sua influência nos caminhos seguidos pelo underground é gigantesca: Nirvana, Pixies, Foo Fighters, Green Day tem uma dívida enorme com eles. Infelizmente não colheram os frutos a que faziam juz e assistiram centenas de influenciados e imitadores ficarem milionários com o som que eles desenvolveram. Em  geral  essa é a injusta  sorte dos pioneiros!

Throbbing Gristle: What a Day!

“Aqui estão três acordes, agora forme uma banda’ é a exortação punk. Já começa errado porque começa com acordes. Eles estão dizendo: seja como todo mundo, siga a tradição, você tem que aprender a tocar. Por que não dizer: forme uma banda e não importa como ela soe ou mesmo se vai soar de alguma maneira, você pode até ficar parado em silêncio por uma hora na frente da plateia e ver o que acontece?”

Peter Christopherson, Genesis P-Orridge, Tutti Fanni, Chris Carter
                      
Continuando na trilha do som industrial, que até agora deu a tônica das minhas postagens aqui no blog, escrevo hoje sobre o primeiro grupo industrial de fato (até a gravadora deles se chamava Industrial Records). O Throbbing Gristle foi a primeira banda a usar música eletrônica para trazer desconforto e estranhamento.

O uso da arte como terapia de choque para destruir condicionamentos sociais recebidos desde a infância e a crença em um “Self” puro, o “Eu” original, livre de influências externas sempre foi o que guiou a música e a vida do líder do Throbbing Gristle, Genesis Breyer P-Orridge.
 
Nascido em 1950 em Hull, na Inglaterra, com o nome de Neil Megson, na adolescência P-Orridge descobre  os Rolling Stones e por conseguinte o rock n’ roll. Mergulha então na literatura beatnik e nos grupos mais radicais da contracultura da década de 60, indo viver em comunidades.
 
Genesis P-Orridge circa 1970
Nesse universo de párias e dropouts encontrou a gostosa Cosey Fanni Tutti, que logo virou sua namorada e integrante do grupo artístico multimídia que ele montou em seguida, o COUM Transmissions.  A música era calcada nas propostas de vanguarda que o Frank Zappa e Captain Beefheart vinham desenvolvendo com a mistura de rock, free jazz e humor negro; mas eram suas performances grotescas e atentatórias ao senso comum o que rendia publicidade: Genesis pendurava cabeças de galinhas mortas no pênis, se masturbava conjuntamente com sua namorada em um vibrador de duas pontas, mastigava vermes e cuspia no público dentre outros números que no geral envolviam fluidos corporais e exploração de tabus.Viviam na mais absoluta penúria, sendo que o “P-Orridge” do nome artístico do Genesis é uma referência a uma marca de aveia, que nos tempos de vacas macérricas era o único alimento que eles tinham disponível para mantê-los de pé. Para ajudar a  pagar as contas, Tutti posava nua para diversas revistas pornográficas.
 
Genesis e Cousin em apresentação do COUM Transmissions
Cansado das apresentações teatrais, em 1975 Genesis decide se concentrar somente na música, formando o Throbbing Gristle (gíria para pênis ereto), junto com Cosey e mais Peter ‘Sleazy’ Christopherson, que havia trabalhado como assistente de designer gráfico nos estúdios Hypgnosis e Chris Carter, técnico de iluminação. Cada integrante escolheu justamente o instrumento em que tinham menos habilidade e/ou identificação. Não usavam acordes. Não tinham baterista.
 
Os primeiros shows do Throbbing Gristle coincidem justamente com a explosão do Punk Rock inglês, sendo frequentados e louvados por todo o pessoal do Bromley Contingent, mas Genesis considerava o Punk saudosista e previsível demais e não quis se alinhar. “Não existe anarquia e música ao mesmo tempo” ele dizia e em cima disso abriram mão da melodia e ritmo, dando ênfase na natureza dos sons em si, trabalhando em cima de tons, frequências e camadas de efeitos, como forma de criar hipnose e reações extremas na platéia (até mesmo a defecação espontânea).
 
Os shows do grupo tinham uma natureza tensa e imprevisível. Com uso intensivo de bases pré-gravadas em fitas k-7e vocais muitas vezes em forma de spoken word, as músicas eram criadas e gravadas instantaneamente. “Discipline”, sua obra mais conhecida, pode ser o exemplo mais claro desse estilo de fazer música totalmente ao vivo.
 
                                 

A discografia do Throbbing Gristle é extensa e confusa porque praticamente gravavam (e lançavam) todo material que produziam. Os discos mais representativos são: "Second Annual Report", "Third Annual Report", "20 Funk Jazz Greats" e "Heathen Earth".
 
Causavam repulsa na sociedade inglesa, o que pode ser conferido nas mensagens da secretária eletrônica da banda, expostas na faixa “Death Threats”. Letras tratando de sadomasoquismo ("Discipline"), misoginia ("We hate you, little girls"), pedofilia ("After cease to exist"), masturbação ("Five Knucle Shuffle"), câmaras de gás ("Zyklom B. Zombie") e assassinos em série ("Very Friendly") fizeram deles verdadeiras desgraças sociais. As capas dos álbuns também geravam controvérsia, como a de “Second Annual Report”, em que aparece uma menina impúbere mostra a calcinha numa foto de calendário. Outra digna de nota, “20 Jazz Funk Greats” a banda posa como um  grupo 'easy listening' em uma típica capa de “maiores sucessos”. O que complementa ainda mais a ironia é que essa fotografia foi tirada em  Beachy Head, um penhasco da Inglaterra e que é um dos lugares mais utilizados por suicidas no mundo!
 

Em '78, há uma ruptura entre o casal Genesis/Cousin. O motivo é que Cousin trocou P-Orridge por Chris Carter. Genesis tenta se matar ingerindo tranquilizantes e bebida alcóolica, o que é narrado na letra de “Weeping”: 'Você não me viu chorando pelo chão. Você não me viu engolindo meus comprimidos.'
 
Para tentar evitar que o grupo se dissolvesse e ajudar na melhora do estado mental de Genesis, entra na história Monte Cazazza, que se transforma numa espécie de quinto integrante e mentor intelectual do grupo. Artista avant-gard fissurado em "survivalism" (não existe uma tradução exata em português mas é quem espera e se prepara para qualquer tipo de cataclisma) e armamentos, Cazazza  transforma o TG em uma  banda quase fascista.  Genesis rapa a cabeça e o TG passa a se utilizar de camuflagem e idumentárias militares. No auge da paranóia, que antes era apenas estética, começaram a vender armas, uniformes e kits de sobrevivência pelos correios e idelizaram mesmo criar um grupo paramilitar de seguidores.
 
Monte Cazazza
Com isso a  banda ainda sobrevive por mais um tempo mas as relações entre Genesis, Tutti e Carter estavam insuportáveis prá se continuar, finalizando suas atividades em 1981. Em uma declaração em seu último show, na Califórnia, Genesis disse que “a missão havia terminado”, que o TG havia levado o rock a sair das raízes do blues agrário e criou um novo tipo de musica (ou anti-música) apropriado para a sociedade pós-industrial. Da dissolução do Throbbing Gristle surge dois grupos: Genesis e Peter Christopherson montam o Psychic TV e Cosey e Carter o Chris & Cosey.

Em 2004 houve uma breve e fabulosa reunião dos membros originais para alguns shows, rendendo o fenomenal box de dvd’s “TGV: The Video Archive of Throbbing Gristle”, que contém o melhor dessas apresentações e mais material da década de 70. Infelizmente Peter Christopherson morreu em 2010, inviabilizando outra reunião com os membros originais.

TG nos 00's
O Psychic TV continua em atividade e Genesis continua sendo figura das mais expressivas no underground, sempre aparecendo de alguma forma na mídia alternativa, escrevendo prefácios de livros ou aparecendo em documentários. Suas entrevistas são brilhantes, mostrando boa argumentação e lucidez que impressionam; ainda mais na sua condição de sobrevivente, como ele próprio se denomina. Com o surgimento da internet seu trabalho e do Throbbing Gristle estão sendo descobertos por uma nova geração de fãs e alcançando um nível de reconhecimento que até então era inédito. Antes (bem) tarde do que nunca, com toda a certeza. Industrial Music For Industrial People!

O ódio high-tech do Nine Inch Nails


O Nine Inch Nails é tido como a banda definitiva do chamado rock industrial, por ter conseguido aliar um elevado padrão artístico com sucesso comercial num nível até então inédito dentro do estilo.
 
A trajetória do NIN é uma das mais peculiares. A começar pela sua situação de one-man-band. A despeito da qualidade de numerosos colaboradores através dos anos, quem sempre ditou o direcionamento artístico foi o líder Trent Reznor.

Trent Reznor, com os dedos nas orelhas, em momento synthpop com o grupo Option 30
Reznor começou uma carreira musical em meados dos anos 80, em grupos synthpop bem coxa e mauriçola no estilo de artistas como Falco e Icehouse. A guinada para o som mais agressivo e rock veio com a influência do que Al Jourgensen vinha fazendo com o Ministry e Revolting Cocks, na mistura de música eletrônica com guitarras distorcidas. O próprio TR cita “The Land of Rape and Honey” como o disco mais importante para a definição da sonoridade do NIN, que foi formado no mesmo ano do lançamento do disco do Ministry. Trent, que também era grande fã da teatralidade a grandiloquência do rock arena de bandas como Queen e Kiss, resolveu então apostar nesse caminho.

A sensibilidade mais pop, para  ganchos melódicos certeiros no meio do barulho, era  o que mais chamava a atenção no som do NIN e os diferenciava dos demais colegas de industrial no período. Para ser bem justo, seu debut "Pretty Hate Machine" (1989), soa como uma combinação de Ministry com Depeche Mode. Peado, dark e estranhamente... dançante. "Head like a hole", "Sin" e "Terrible Lie" são os maiores arreagaços dessa estréia brilhante. “Something I can never have”, executada no piano, antecipa um estilo de balada depressiva com ares junkie feita na década seguinte.
 

O lançamento seguinte, o EP "Broken", é o disco maisexplicitamente porrada do NIN. A capa é uma propaganda fiel do que o som é: altamente inflamável. É rock como deve ser, daquele que os filhos não ouvem junto com os pais. Uma massa de sintetizadores esmagando tudo como um rolo compressor, vocais soterrados, bateria hardcore. A parte visual sempre foi importante para a banda e para o industrial de forma geral na sua proposta de chocar, então foram feitos vídeos para quase todas as faixas. O clipe de "Happiness in Slavery" (dirigido pelo ex-Throbbing Gristle Peter Christopherson) é considerado  o mais extremo já exibido pela MTV.
 

O NIN sempre teve uma relação estranha com a grande mídia. O som não necessariamente acessível e as letras cheias de palavrões, referências a sadomasoquismo, tabus e ao lado negro da vida humana, era difícil prás FMs e MTV; mas pela esperteza, senso de marketing, ineditismo e nivel de produção, formou-se uma  curiosidade em torno da banda e em pouco tempo conseguiram chamar muita atenção. O underground ficou pequeno prá eles.
 
Estúdio construído em Cielo Drive, para a gravação de Downward Spiral
Seguindo esse caminho polêmico e marketeiro, "The Downward Spiral", de 1994, foi seu projeto mais ambicioso. Gravado na mansão de número 10050, Cielo Drive, em Los Angeles, onde a atriz Sharon Tate foi assassinada com mais quatro pessoas pela “família” do líder messiânico Charles Manson é considerado o melhor disco do NIN e essencial para se entender a década de 90. Um álbum díficil, carregado, com um alto grau de isolamento transparecendo, lembrando os discos do David Bowie no seu exílio em Berlim ("Low", "Heroes" e "Lodger"). "Closer" com seus versos: “Eu quero te foder como um animal. Eu quero sentir você por dentro. Toda minha existência é falha. Você me aproxima de Deus”, virou um grande hit e caiu no gosto até de fãs de cultura pop. "Hurt" foi imortalizada quase 10 anos depois, em sua versão definitiva, regravada por Johnny Cash num álbum que saiu pouco depois de sua morte.
 

A consagração total veio com uma apresentação feita no Woodstock de 1994, em comemoração dos 25 anos do clássico festival de 69, onde o NIN foi a grande atração do festival, desbancando medalhões como Metallica e Aerosmith. Visceral, com banda e platéia cobertos de lama, parecendo não se importar com mais nada.
 
No mesmo ano Trent produziu a trilha sonora do filme “Assassinos por natureza” (Natural Born Killers), dirigido pelo Oliver Stone e com roteiro de Quentin Tarantino. Uma das melhores trilhas sonoras já feitas, tendo o próprio NIN  contribuído com uma música ("Burn", um dos seus grandes momentos e a faixa que é mais a cara do filme).
 

Com o sucesso e tudo o que vem junto, Reznor nesse período passa por um grave problema com drogas, que se estenderia até meados da década seguinte. Após o fim da Downward Spiral Tour, ele produz “The Antichrist Superstar”, do Marilyn Manson, outro marco inegável da década, gostando-se ou não. O álbum também marca o desgaste de uma parceria que vinha de longo tempo (MM era uma espécie de apadrinhado do Reznor). Os dois cortam relações e uma onda de declarações insultuosas veio pela imprensa dos dois lados. O estopim disso foi o Marilyn Manson ter afirmado de que manteve um caso amoroso com Trent por um longo período, o que Trent negou veementemente, afirmando que MM não tinha limite para a baixeza como forma de autopromoção. Houve tentativas de reaproximação, até a gravação de um clipe juntos ("Starfuckers", do NIN) mas a animosidade persiste até hoje.

Com as crises pessoais e mais voltado para a carreira de produtor, somente em 99 é lançado o sucessor de "Downward Spiral", o CD duplo "Fragile". Uma decepção para a crítica e boa parte dos fãs na época, que esperavam por um "Downward Spiral parte II". Avaliando hoje, é mais uma obra-prima, com um NIN mais à vontade para ser eclético (há de stoner rock a funk, baladas não-convencionais e um monte de instrumentais). Guardadas as devidas proporções, representa mais ou menos o que “The Wall” fez pelo Pink Floyd no final da década de 70, um disco duplo auto-indulgente concebido basicamente por uma cabeça só mas cheio de grandes momentos.


Mais seis anos de espera até o próximo álbum e temos “With Teeth” (2005), uma espécie de "ressurreição" de Trent, onde ele aparece mais saudável (conseguiu se recuperar das drogas), pela primeira vez de cabelos curtos e numa versão marombada. A idade (então beirando os 40 anos) parece que deixou Trent mais positivo e esperançoso.  O som é mais coeso, linear, deixando para trás as experimentações e caráter de ópera-rock dos dois álbuns anteriores. As canções funcionavam independentemente umas das outras, o que combinava mais com a geração dos downloads e mp3 players. “The hands that feeds” é o grande hit do disco, mirando direto na administração George W. Bush. No mesmo ano houve a primeira vinda do NIN ao Brasil, no extinto festival Claro Q é Rock, que também contava com Stooges e Sonic Youth.
 

Em 2007 (rápido demais para os padrões NIN) é lançado "Year Zero", disco que trabalha em cima do conceito de distopia e realidades virtuais baseadas em video-games, com um mundo ambientado no ano de 2022. Os maiores destaques são para as músicas "Capital G" e "Survivalism".
 
Um ano depois são lançados dois álbuns, “Ghosts I-IV” e "Sleep". "Ghosts" é totalmente experimental, sem nome de faixas e material quase todo instrumental. A forma de comercialização do álbum também inovou, seguindo o que o Radiohead fez com “In Rainbows”, disponibilizando o álbum on-line onde os fãs poderiam baixar os álbuns de graça ou pagar o que quisessem. Edições físicas deluxe também foram feitas, sendo comercializadas por preços altos, que chegavam a 300 dólares. Ganharam muito dinheiro com essa estratégia. Já "Sleep" é NIN propriamente dito, na linha mais parcimoniosa e sóbria adotada desde o With Teeth.
 
Em 2013 sai "Hesitation Marks", tendo excelente recepção pela crítica e boa aceitação pelo público. Nada que vá salvar a vida de alguém, mas que dá uma surra em 90% do material que é produzido pelas bandas atuais.
 
                                  

A turnê de Hesitations rendeu uma apresentação recente do NIN no Brasil, que como sempre é um dos maiores espetáculos da Terra. Trent é um grande performer, seja com fúria nos olhos ou fazendo dancinhas. Sua muito, arremessa o microfone no chão, quebra sintetizadores. A atmosfera tensa do show, de caos controlado, é  industrial até a alma. O grande número de efeitos visuais dão uma qualidade hipnótica maior ao show e é um dos raros casos em que esse tipo de produção exagerada soma mais do que diminui a um grupo de rock. Fabuloso. Devastador. Catártico!

É clichê dizer que não há e nunca houve outra banda fazendo o que eles fazem, mas é a primeira coisa que me vem a cabeça e também a mais acertada que se pode dizer deles. Pouca gente pode se gabar disso e esse grau de personalidade significa tudo nesse universo povoado pelo mais do mesmo e por bandas mornas. NIN é ousadia (e de tempos prá cá com um cadiquinho de alegria). Perfeito.

Discografia - Baixe aqui

The Raincoats ou O Conto de Fadas no Supermercado

“Quando eu ouço The Raincoats eu me sinto como se eu fosse um intruso espiando em um sótão,no escuro. Estamos juntos na mesma casa velha e eu tenho que estar completamente imóvel ou elas vão me ouvir espiar por cima e,se eu for pego - tudo será arruinado porque é a coisa delas.” - Kurt Cobain.


Ao contrário de muitas bandas punk que pregavam os 3 acordes e a não-evolução musical  mas que na verdade eram músicos experientes e habilidosos, as Raincoats aprenderam mesmo a ‘tocar tocando’, na frente da platéia, começando literalmente do zero. Possuindo  uma postura tímida e não utilizando artifícios visuais (tocavam com roupas do dia-a-dia e sem maquiagem), muitas vezes parece que faziam música para si mesmas, como Kurt Cobain escreveu no texto acima. Uma das forças mais inventivas do pós-punk , atingindo um grau de personalidade em que os colegas de época e os novos aspirantes apenas sonha(ra)m em alcançar.


O álbum de estréia, epônimo, veio em 79, lançado pela Rough Trade. Ouvindo, dá prá imaginar que os ensaios devem ter sido intensivos, porque o entrosamento é total. "Raincoats", o disco, é cheio de garra, frescor, energia, vontade. Os vocais juvenis, a guitarra ritmica forte e cheia de boas idéias da portuguesa Ana da Silva,  o baixo destacado da Gina Birch, os violinos velvetianos de Vicky Aspinal  e a bateria empolgante e precisa de Palmolive (então recém-saída das Slits) fazem desse um álbum em que a extrema simplicidade só reforça sua natureza fenomenal. Um disco que faz apaixonar fácil, de não querer ouvir outra coisa durante muito tempo. Tudo aqui é destaque, sendo que se for para citar músicas e indicar,vai as que eu mais gosto então: a tríade“No side to fall in”, “Adventures close to home” e “Off duty trip” (as mais non-stop do disco, que vem em sequência desfolegante), “Fairytale in the supermarket”(que saiu originalmente em single, mas que nas edições posteriores foi incorporada ao CD), “In Love”...
 

“The void” é uma das melhores músicas sobre a  adolescência já feita. É como se fosse o Holden Caufield (o personagem confuso do clássico livro “O apanhador do campo de centeio) musicado. Poucos versos, poucos acordes, baixo à “Walk on the wild side” e temos um verdadeiro monumento do minimalismo. Incrível o poder desse som e o universo de sensações que consegue causar.
O momento mais descontraído vem com o cover de “Lola”, do Kinks. Aqui a clássica música de Ray Davies que fala de um affair não-intencional com um travesti é colocada para explicitar questões de gênero sexual. Elas não usavam a política num sentido mais panfletário, preferindo sempre fazer isso por meio de histórias, como também na letra de “Off Duty Trip”, que fala sobre um caso de estupro em que o juiz foi complacente para não prejudicar a carreira militar do oficial acusado.
 

Após a estréia Palmolive, que já era surtada, pira de vez e sai da banda. Isso muda totalmente o direcionamento que até então elas estavam tendo. Começam a compor músicas sem imaginar uma bateria acompanhando.  Abraçaram então uma tendência da época em soar propositalmente anti-rock e com isso lançam o estranho mas não menos genial “Odyshape”. As estruturas das músicas são mais livres, lembrando free jazz. A incorporação de instrumentos africanos (balafone e Kalimba) dão um tom tribal, étnico. "Odyshape" lembra dois gêneros desgraçados: world music e new age. Isso se esses gêneros fossem  feitos por  não-yuppies. A mixagem também é estranha: baixo, percussão e efeitos sonoros em primeiro plano, lembrando muito as maluquices dub do mestre jamaicano Lee Perry. Robert Wyatt, artista de vanguarda, ex-Soft Machine e colega de gravadora delas, toca a maioria das percussões no álbum. Um álbum excelente,  que mesmo não tendo o apelo instântaneo do anterior, vale tudo ser descoberto.
 

Depois disso lançam "Kitchen Tapes", gravado ao vivo em New York e lançada em cassete pela Roir, um dos principais selos independentes americanos. Um grande disco.
 
"Moving" (1984) é uma continuação de Odyshape, porém mais dançante e com um jeito menos ‘espiritual’.  Incrível como elas se especializaram nesse tipo de som exótico, bem próprio, que só pode ser classificado como “The Raincoats Music”.



A banda acaba logo após e vem um período de ostracismo total, que só é quebrado em 93, quando a major Geffen relança (por sugestão de Kurt Cobain, fã incondicional) a discografia do grupo. Com esse incentivo elas retornam aos palcos e gravam  um ep e um álbum ("Looking in the shadows") nos 90’s que são bem interessantes e possuem a participação de Steve Shelley, do Sonic Youth.
 

Desde então continuam na ativa e participando de festivais underground, mesmo com todos os apesares (Gina e Ana da Silva tem uma relação de amor e ódio e muitas vezes saem na porrada). Recentemente Birch disse que vai fazer um documentário sobre o grupo. Pussy Power!

Baixe aqui - Raincoats (1980)

Big Black: Rock n' Roll é poluição sonora. Rock n' Roll vai morrer!

"O heavy metal não soa pesado prá mim. É só rídículo. O hardcore na maior parte do tempo não é pesado. É apenas infantil."

                     

A história do Big Black se inicia em fins da década de 70, quando a família do então adolescente Steve Albini (o Big Black de fato) se muda para Chicago.
Albini começa a frequentar então o undergrond local mas de início nada chamou sua atenção, até passarem-se alguns meses e ele descobrir o Naked Raygun, que ele logo elegeu como sua banda predileta.
Logo ele começou a escrever para diversos fanzines e a ter um programa de rádio na universidade, divulgando as bandas que gostava e ficando conhecido.Com um estilo bem franco e iconoclasta, Albini começou a colecionar admiradores como também muitos inimigos pelo que dizia. Causava uma reação extrema nas pessoas: uns achavam que ele era um gênio, outros um completo idiota. 

Decidiu então fazer música também.Um pária e desajustado em qualquer meio, como ele se auto-intitulava, achou mais fácil gravar seu primeiro trabalho sozinho, dentro do quarto. Usando uma guitarra recém-adquirida e uma bateria eletrônica (uma Rolland TR-606, a mais barata que ele encontrou e que se tornaria "membro" do grupo), o resultado foi o EP "Lungs", que ia numa linha musical bem calcada no pós-punk e traços de  "universitário cabeça" e "consciente" nas letras. "Lungs" pode ser visto só como um esboço do que viria a seguir e das reais ambições de seu criador. O projeto foi chamado de Big Black, porque segundo ele todas as coisas assustadoras eram grandes e pretas.
 
Steve procurava agora por uma banda de verdade e passava esse material para quem ele gostava e pudesse se interessar.
 

Por acaso ou obra do destino, aconteceu que a  primeira encarnação do Big Black foi formada justamente com dois ex-membros do Naked Raygun: Jeff Pezzati e Santiago Durango, no baixo e guitarra respectivamente. O trio mais Rolland gravam "Bulldozer", onde finalmente Albini consegue encontrar sua voz e forma de expressão: música desconfortável, tensa, opressiva. Guitarras com sintetizadores e o uso da  bateria eletrônica trazem uma característica mais desumana,distante, calculada, robótica. Tudo isso mais um groove psicótico e letras sinistras: "Cables", por exemplo, relembra de ele e os amigos do ensino médio indo num matadouro para assistir bovinos serem abatidos numa cidade interiorana. "Era isso ou ir prá casa e ficar bêbado ou cheirar cola. Não havia mais nada a fazer."
 
O próximo EP, o pesadão Racer-X foi é uma melhora e radicalização do que fizeram no trabalho anterior, e pode ser considerado como um de seus melhores trabalhos. É o último também com Jeff Pezzati, que é substituído por Dave Rilley, de característica mais funk, técnica e melódica.
 
Até esse momento, só haviam gravado ep's e nenhum álbum. A razão principal, segundo a banda, seria que uma das forças dos lançamentos do BB estar nas doses pequenas mas concentradas de material. Isso mais do que questões de ordem financeira.

O primeiro álbum deles veio em 1986. "Atomizer" é seu trabalho mais acertado e definitivo. Prometido como o trabalho que ia fazer o público cagar nas calças, é seu melhor manifesto e grande obra-prima. De cara já abrem com a  impactante "Jordan Minesotta" (história real sobre uma cidade do interior suspeita  de sediar um grande clube de pedofilia), e passa por temas como corrupção policial ("Big Money"), sadismo ("Fists of love"), veteranos de guerra que se tornam assassinos profissionais ("Bazooka Joe")... Incessante e cruel retrato da face mais feia da América

"Atomizer" possui também o principal "hit" do BB, "Kerosene". Com efeitos de guitarra fazendo soar com cacos de espelho partido se chocando e uma sessão ritmica no melhor estilo Gang Of Four com anabolizantes, narra a angústia de se viver toda uma existência num ambiente hostil e sem oportunidades de mudança.

O Big Black causava polêmicas, acusações, atritos por onde quer que passasse. Steve Albini se recusava a dar qualquer tipo de explicação sobre a violência das letras (em geral sob o ponto de vista do agressor) e declarações com aspectos misóginos, racistas, homofóbicos.  Uma coisa ao menos parecia certa: ele gostava de testar os limites da liberdade de expressão, o pensamento liberal. Para ele provocar o público conservador era o mesmo que pescar dentro de um aquário, preferindo encher o saco dos "descolados",  trazendo à tona suas hipocrisias, paranóias, contradições.
 
                       

O lançamento seguinte, "Headache", um EP, vinha com um adesivo avisando que as músicas não eram tão boas quanto as do "Atomizer". O que é verdade, já que "Headache" acrescenta pouco ao que já havia sido feito. A banda passava por instabilidades (a essa altura do campeonato fazia uma turnê grande e Durango e Rilley começaram a beber demais, havendo crises constantes  entre eles e o metódico, workaholic e controlador líder).
 


Santiago então decide sair da banda para voltar a estudar e fica acertado  então que a banda duraria somente mais um disco.O canto do cisne veio com o lp  "Songs about Fucking", o que mais vendeu e também o que teve a melhor produção.Houve muitos problemas por causa da capa e do título do disco. O uso de palavrões na música ainda não era  tão disseminado e aceito. Dentre as curiosidades, dois covers: "Model" do Kraftwerk e "He's a whore" do Cheap Trick. O fim veio justamente quando começavam a colher os frutos do trabalho e a receber aclamação da crítica e a adquirir público fora do gueto hardcore. "Pigpile", disco ao vivo, foi lançado postumamente.

                               
Com o fim do grupo Albini seguiu com a carreira com o Rapeman, causando protestos de grupos feministas e donas de casa 'fiscais do PRMC',principalmente. Durou somente um ep e um álbum mas poucas vezes na história da música um grupo foi tão perseguido e boicotado! Após veio o Shellac, que ainda dura e prometeram um álbum novo para logo.
 

Mas o que tornou Albini reconhecido e fez a ele ser possível viver do meio musical é sua carreira de produtor. Começando produzindo para amigos do punk rock nos 80's, Albini tornou-se um especialista e  inovador na produção de discos de rock, tendo trabalhado praticamente com quase todo mundo do circuito alternativo (mais fácil seria dizer com quem ele não trabalhou, já que foram literalmente  milhares) e para medalhões do mainstream.
 
Dando palestras, produzindo bandas ou tocando com o Shellac, o que Albini faz e diz é no mínimo sempre digno de atenção. Com uma visão única de estilo e sonoridade, é um dos maiores pensadores e estetas do rock, sempre em busca do ruído perfeito. Nerds do it better!
                      

World Burns To Death - "Venha e veja a beleza da desumanidade..."

Depois de alguns posts com o nosso novo estreante Eric, cá volto ao blog com uma recomendação nova. Dessa vez vou falar de uma das bandas favoritas da minha vida: World Burns To Death.


Formada por volta do ano 2000, a banda texana tem seu nome provindo do álbum homônimo do grupo finlândes Bastards. O World Burns To Death faz um punk/hardcore com elementos de várias regiões e gêneros do mesmo: Peso do crust punk, bases e crueza da finlândia, os solos e velocidade da cena japonesa e os vocais mais guturalizados das bandas suecas. Sua música arrancou elogios de nomes como John Peel e foi considerada uma das bandas americanas prediletas do Fenriz (Darkthrone).


Mas o apelo dos caras não fica apenas na música, as artworks e letras do grupo são outro grande marco dos caras. Montagens e colagens fotográficas caóticas com uso de simbologias fortes como o próprio logotipo, que é usado em munições provindas de Israel. Liricamente o WB2D fala em guerra e decadência humana no geral, porém boa parte de suas letras menciona filósofos, poetas e escritores americanos: O banco de citações dos caras conta com Voltaire, Brecht, Stirner e James Shirley.


Em 2002, é lançado o debut The Sucking Of The Missile Cock, a obra em suas letras se tratavam de uma crítica as posições dos EUA na época pós 11/9 e a paranóia yankee em relação as tropas, terrorismo e os fantasmas da Guerra do Golfo. Outra carascerística marcante é a divisão de vocais, além de Jack Control (vocalista), o guitarrista Zack Tew canta em outras faixas do álbum. Entre os destaques estão o crust quasi escandinavo Wind Of Cruelty,  a linha de baixo e refrão massacrante de Fall on Your Sword  e a ácida faixa introdutória Glorious Butcheries.



No meio tempo, a banda lançou vários EP's como Acid In The Face Of Human Rights, Art Of Self Destruction e No Dawn comes... Night Without End, além de dois splits, um com os brasileiros do Sick Terror (que rendeu uma turnê no país tropical) e o outro com a banda de raw punk Disclose (o que firma mais ainda a ligação de WB2D com o punk nipônico.


Em 2006 Totalitarian Sodomy vem ao mundo, com a artwork feita pelo insano Sakevi (conhecido pela infame banda de metal/hardcore G.I.S.M.), com uma gravação mais metalizada, cadências mais lentas, vocais mais guturais e uma grande quantidade de solos e mudanças de tempo. Sem dúvidas o álbum mais brutal e com as letras mais críticas, abordando o totalitarismo de várias formas, seja com o Holodomor (Those Who Had Come To The End) ou o genocídio Tutsi (Triumph Of Evil), além das óbvias referências a Hiroshima e Nagasaki (Frenzied Hacking Of Swords e Children Gone To Shadow). No mesmo ano os fãs levam um susto: Após um show, Jack Control foi esfaqueado, a faca quase perfurou o coração do vocalista, porém tudo terminou bem.


Após mais alguns splits com bandas japonesas e o contato cada vez mais forte com os nipônicos (contando com paticipações no festival Burning Spirits), Graveyard Of Utopia sai em 2008. Essa aproximação com a cena dos espíritos ardentes é  completamente notável na obra, o excesso de riffs, leads e solos e até a participação de membros de bandas como Death Side e Gudon no álbum marcam o tom do disco. Completamente upbeat e com refrões grudentos, porém o conteúdo sempre mantendo o tom distópico que marca a escrita de Jack, destaques ficam para They Want A War  e Black Hundreds, com um solo épico feito pelo finado Chelsea Kishida.


Até 2010 mais alguns splits e EP's foram lançados e depois a banda entrou num hiato, onde cada membro resolveu focar em seus trabalhos: Jack Control hoje mixa e masteriza álbuns pela Enormous Door (entre alguns de seus clientes se encontram Darkthrone, Jet, Kromosöm, Meat Puppets e The Darkness), Zac Tew continua com o Kegcharge e montou o projeto Smash Detox (superbanda japonesa que conta com membros do Forward, Judgement e Bastard). Os outros membros (Craig Merritt  e Jon Guerinot) não há notícias de seus paradeiros.


Apesar do hiato, a banda nunca falou oficialmente que teria encerrado as atividades, quem sabe eles não voltam um dia e lançam mais algo?

The Afhgan Whigs: O amor é um cão dos diabos

                  

Na semana passada foi divulgado um clipe (bom por sinal)  e a notícia certa de que, 16 anos depois do seu último trabalho de estúdio, o Afghan Whigs, iria lançar com certeza um novo álbum em abril próximo. A melhor notícia musical do ano. Um dos raríssimos casos em que o comeback se justifica e que pode ser encarado mais como vontade de voltar a tocar juntos do que pelo fator grana. Numa época pré-internet ser apresentado de alguma forma ao universo Whigs era o equivalente a ter descoberto um segredo e a entrada num seleto grupo. Uma espécie de prazer oligárquico, já que pouquíssima gente conhecia, entendia ou gostava. Com certeza a banda mais ousada, intrigante, inteligente e realmente sofisticada dos 90’s. Formada em 1986 na provinciana Cincinnati, Ohio, há uma versão de que os integrantes se conheceram dividindo uma cela durante uma estada de uma noite na prisão;  mas segundo a banda isso não passa de boato, tendo o centro da banda (Gregg Dulli(V/G), Rick McCollum (G) e John Curley (B)) na verdade se conhecido de uma forma bem mais trivial, entre amigos com gostos e propostas parecidos. 

Fazendo cosplay de Mudhoney
No início as influências mais fortes eram Replacements e Hüsker Dü: canções no pique veloz do punk rock, mas com melodias e refrãos caucados no powerpop. Isso é sentido no primeiro disco da banda, "Big Top Halloween", de 1988.                            

   

O trabalho tem certa repercussão e começam a fazer shows fora de sua cidade-natal. Num desses shows entre a platéia estava Jonathan Poneman, um dos donos da Sub Pop, que se impressionou com a intensidade da apresentação e principalmente com o carisma e passionalidade do líder, vocalista e compositor de quase todas as músicas Greg Dulli. “Você não conseguia desgrudar os olhos da figura dele um décimo de segundo qualquer ”, disse Poneman.



Assinam então com a Sub Pop e gravam dois discos por ela, sendo a primeira banda fora do Noroeste americano a assinar com a gravadora. No primeiro álbum pela SP “Up it in” já se nota maior esmero nas composições e o desenvolvimento do que seria a personalidade do AW: canções sobre relacionamentos no que eles tem de pior: seu fim ou a proximidade do fim, e tudo o que costuma vir junto: dúvidas, mentiras, incertezas, autodepreciação, ódio, desespero; culminando muitas vezes em compulsões, vícios, crimes, suicídio. Em “Congregation” deram muitos passos nessa direção, com seu som sujo e profundamente climático. Dentre as curiosidades há um cover interessante de “The Temple”, composição de Andrew Lloyd Webber presente na trilha sonora do filme Jesus Christ Superstar. Aqui também é onde aparece a  principal característica deles, que é a inusitada mistura do som mais introspectivo do chamado indie rock com elementos de black music, aqui vindo através da funkeada “Turn on the water”. De "Congregation" há "Miles iz dead" (faixa-escondida e que tem o título em homenagem ao falecido jazzista Miles Davis, que havia falecido pouco antes). Para ela o vídeo de baixo orçamento mais sensacional já feito, abordando junkies, "barflies", sexo casual como forma de fuga e tentativas abortadas de felicidade.      

                              

O undergrond acabou ficando pequeno  prá eles e assinam com a Columbia, lançando "Gentlemen", que é tido como o Whigs na sua melhor forma. A produção limpa e mais polida de um grande estúdio casou melhor com esse novo direcionamento mais melódico e introspectivo . Há mais preocupação com climas e ambiências, com sintoma no uso maior de teclados e orquestrações. Aqui há uma das poucas faixas não cantadas por Dulli e um dos maiores clássicos deles. “My Curse”, interpretada por Marcy Mays, do Scrawl, também de Cincinatti, é uma das mais bonitas baladas já feitas, dando uma interessante perspectiva feminina de uma visão sempre masculina da história.

  

Apesar da aclamação da crítica, não conseguem virar megabandas como os Smashing Pumpkins ou Soundgarden ou mesmo emplacar um grande hit, como o 4 Non Blondes, prá citar um exemplo de "one hit wonder" do período. Apesar de o som do Whigs ser mais acessível (no sentido de não ter guitarras orientadas para o heavy metal ou punk) que o da maioria das bandas grunge, não eram tão objetivos quanto seus pares e consequentemente não conseguiram uma identificação tão imediata com o “teen spirit”, que era a ordem do dia.

 

O álbum seguinte, "Black Love", de 96, é uma espécie de continuação do que fizeram em "Gentleman". É também  o trabalho mais sombrio, hermético e radical deles. Uma ópera rock ou trilha sonora de um filme inexistente, com músicas ligadas umas às outras e que funciona melhor se ouvido inteiro.  A aura noir e negativista aparece em todo lugar, com as fotos de mau agouro do encarte do CD reforçando isso. É o trabalho mais Dulli de todos, para o bem e para o mal. Aqui ele expõe da forma mais explícita suas obsessões, taras, crises de humor, paranóias. A voz cigarreira e lamuriosa pragueja e entra em êxtase pervertido pelos abismos do sofrimento de forma sublime; enquanto a guitarra precisa, de bom gosto e cheia de wha wha de McCollum  adornam e confirmam com enlevo poético o que é cantado. Black Love não foi tão bem recebido quanto seu disco anterior pelas revistas especializadas, tachando-o de pretensioso e forçado; mas é um dos prediletos dos fãs. Um dos principais objetos de crítica é  que a dor passada por Dulli era algo mais lido e assistido em filmes do que se fosse vivenciado. Mas apesar dele não ser um psicopata ou maníaco sexual, sua personalidade complexa e autodestrutiva, somada com muitos anos de abusos químicos e seus consequentes passeios pelo wild side, convencem de um elevado nível de inquietação e caos mental.

 

Há um hiato de dois anos e lançam “1965” (ano de nascimento de todos os integrantes da banda), último álbum deles e que ia numa direção mais comercial, com uma guinada para um estranho tipo de som festeiro, dentro do que pode imaginar de uma festa tendo-os como trilha sonora. O fato é que o rancor dá lugar a uma sensualidade e balanço black mais gritante do que o apresentado nos trabalhos anteriores. "1965" é magistral e desafiador. Um enigma, como quase tudo que fizeram. As letras sexualizadas do ponto de vista do macho, comuns na black music de forma geral mas que são encaradas como misóginas em um meio que tende para o politicamente correto, gerou muitas controvérsias


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Em 2000 se separam amigavelmente, com Dulli seguindo com o projeto twilight Swingers e mais tarde com o Gutter Twins, ao lado do ex-Screaming Trees. O primeiro passo para o retorno da banda se dá em 2011, com a participação de McCollum em um show da Gutter Twins. Alguns meses depois houve o retorno oficial.

 

Notícias recentes informam que McCollum que não mais participa do grupo e que inclusive não gravou no álbum novo, intitulado “Do The Beast”. Com certeza isso tira muito o brilho de tudo mas a curiosidade de ouvir material recente deles depois de todo esse tempo e a possibilidade de assistir uma apresentação no Brasil (eles prometeram isso) é algo de muito bom para 2014.