The Afhgan Whigs: O amor é um cão dos diabos

                  

Na semana passada foi divulgado um clipe (bom por sinal)  e a notícia certa de que, 16 anos depois do seu último trabalho de estúdio, o Afghan Whigs, iria lançar com certeza um novo álbum em abril próximo. A melhor notícia musical do ano. Um dos raríssimos casos em que o comeback se justifica e que pode ser encarado mais como vontade de voltar a tocar juntos do que pelo fator grana. Numa época pré-internet ser apresentado de alguma forma ao universo Whigs era o equivalente a ter descoberto um segredo e a entrada num seleto grupo. Uma espécie de prazer oligárquico, já que pouquíssima gente conhecia, entendia ou gostava. Com certeza a banda mais ousada, intrigante, inteligente e realmente sofisticada dos 90’s. Formada em 1986 na provinciana Cincinnati, Ohio, há uma versão de que os integrantes se conheceram dividindo uma cela durante uma estada de uma noite na prisão;  mas segundo a banda isso não passa de boato, tendo o centro da banda (Gregg Dulli(V/G), Rick McCollum (G) e John Curley (B)) na verdade se conhecido de uma forma bem mais trivial, entre amigos com gostos e propostas parecidos. 

Fazendo cosplay de Mudhoney
No início as influências mais fortes eram Replacements e Hüsker Dü: canções no pique veloz do punk rock, mas com melodias e refrãos caucados no powerpop. Isso é sentido no primeiro disco da banda, "Big Top Halloween", de 1988.                            

   

O trabalho tem certa repercussão e começam a fazer shows fora de sua cidade-natal. Num desses shows entre a platéia estava Jonathan Poneman, um dos donos da Sub Pop, que se impressionou com a intensidade da apresentação e principalmente com o carisma e passionalidade do líder, vocalista e compositor de quase todas as músicas Greg Dulli. “Você não conseguia desgrudar os olhos da figura dele um décimo de segundo qualquer ”, disse Poneman.



Assinam então com a Sub Pop e gravam dois discos por ela, sendo a primeira banda fora do Noroeste americano a assinar com a gravadora. No primeiro álbum pela SP “Up it in” já se nota maior esmero nas composições e o desenvolvimento do que seria a personalidade do AW: canções sobre relacionamentos no que eles tem de pior: seu fim ou a proximidade do fim, e tudo o que costuma vir junto: dúvidas, mentiras, incertezas, autodepreciação, ódio, desespero; culminando muitas vezes em compulsões, vícios, crimes, suicídio. Em “Congregation” deram muitos passos nessa direção, com seu som sujo e profundamente climático. Dentre as curiosidades há um cover interessante de “The Temple”, composição de Andrew Lloyd Webber presente na trilha sonora do filme Jesus Christ Superstar. Aqui também é onde aparece a  principal característica deles, que é a inusitada mistura do som mais introspectivo do chamado indie rock com elementos de black music, aqui vindo através da funkeada “Turn on the water”. De "Congregation" há "Miles iz dead" (faixa-escondida e que tem o título em homenagem ao falecido jazzista Miles Davis, que havia falecido pouco antes). Para ela o vídeo de baixo orçamento mais sensacional já feito, abordando junkies, "barflies", sexo casual como forma de fuga e tentativas abortadas de felicidade.      

                              

O undergrond acabou ficando pequeno  prá eles e assinam com a Columbia, lançando "Gentlemen", que é tido como o Whigs na sua melhor forma. A produção limpa e mais polida de um grande estúdio casou melhor com esse novo direcionamento mais melódico e introspectivo . Há mais preocupação com climas e ambiências, com sintoma no uso maior de teclados e orquestrações. Aqui há uma das poucas faixas não cantadas por Dulli e um dos maiores clássicos deles. “My Curse”, interpretada por Marcy Mays, do Scrawl, também de Cincinatti, é uma das mais bonitas baladas já feitas, dando uma interessante perspectiva feminina de uma visão sempre masculina da história.

  

Apesar da aclamação da crítica, não conseguem virar megabandas como os Smashing Pumpkins ou Soundgarden ou mesmo emplacar um grande hit, como o 4 Non Blondes, prá citar um exemplo de "one hit wonder" do período. Apesar de o som do Whigs ser mais acessível (no sentido de não ter guitarras orientadas para o heavy metal ou punk) que o da maioria das bandas grunge, não eram tão objetivos quanto seus pares e consequentemente não conseguiram uma identificação tão imediata com o “teen spirit”, que era a ordem do dia.

 

O álbum seguinte, "Black Love", de 96, é uma espécie de continuação do que fizeram em "Gentleman". É também  o trabalho mais sombrio, hermético e radical deles. Uma ópera rock ou trilha sonora de um filme inexistente, com músicas ligadas umas às outras e que funciona melhor se ouvido inteiro.  A aura noir e negativista aparece em todo lugar, com as fotos de mau agouro do encarte do CD reforçando isso. É o trabalho mais Dulli de todos, para o bem e para o mal. Aqui ele expõe da forma mais explícita suas obsessões, taras, crises de humor, paranóias. A voz cigarreira e lamuriosa pragueja e entra em êxtase pervertido pelos abismos do sofrimento de forma sublime; enquanto a guitarra precisa, de bom gosto e cheia de wha wha de McCollum  adornam e confirmam com enlevo poético o que é cantado. Black Love não foi tão bem recebido quanto seu disco anterior pelas revistas especializadas, tachando-o de pretensioso e forçado; mas é um dos prediletos dos fãs. Um dos principais objetos de crítica é  que a dor passada por Dulli era algo mais lido e assistido em filmes do que se fosse vivenciado. Mas apesar dele não ser um psicopata ou maníaco sexual, sua personalidade complexa e autodestrutiva, somada com muitos anos de abusos químicos e seus consequentes passeios pelo wild side, convencem de um elevado nível de inquietação e caos mental.

 

Há um hiato de dois anos e lançam “1965” (ano de nascimento de todos os integrantes da banda), último álbum deles e que ia numa direção mais comercial, com uma guinada para um estranho tipo de som festeiro, dentro do que pode imaginar de uma festa tendo-os como trilha sonora. O fato é que o rancor dá lugar a uma sensualidade e balanço black mais gritante do que o apresentado nos trabalhos anteriores. "1965" é magistral e desafiador. Um enigma, como quase tudo que fizeram. As letras sexualizadas do ponto de vista do macho, comuns na black music de forma geral mas que são encaradas como misóginas em um meio que tende para o politicamente correto, gerou muitas controvérsias


 . 

Em 2000 se separam amigavelmente, com Dulli seguindo com o projeto twilight Swingers e mais tarde com o Gutter Twins, ao lado do ex-Screaming Trees. O primeiro passo para o retorno da banda se dá em 2011, com a participação de McCollum em um show da Gutter Twins. Alguns meses depois houve o retorno oficial.

 

Notícias recentes informam que McCollum que não mais participa do grupo e que inclusive não gravou no álbum novo, intitulado “Do The Beast”. Com certeza isso tira muito o brilho de tudo mas a curiosidade de ouvir material recente deles depois de todo esse tempo e a possibilidade de assistir uma apresentação no Brasil (eles prometeram isso) é algo de muito bom para 2014.
 

Leave a Reply