Tudo o que eu aprendi na vida, eu aprendi com os Butthole Surfers


O Butthole Surfers que é lembrado mais pelos clipes de “Pepper" e "Who Was In My Room Last Night” que tiveram alguma rotação na MTV, ainda continua a ser um ilustre desconhecido até do público alternativo. Dentre os motivos desse ostracismo podemos dizer que alguns são: é considerada uma banda difícil, experimental e muita gente tem preguiça até de começar a ouvir; o fato de o próprio nome da banda por muito tempo não poder sequer ser mencionado nas rádios, sendo chamados como B.H. Surfers quando queriam se referir a eles; e vai até o aparente desinteresse dos cabeças da banda (Gibby Haynes e Paul Leary) que nos espaços oferecidos pela imprensa, no geral dão entrevistas nonsense puro, parecendo querer esclarecer pouco e manter o culto subterrâneo. São o típico caso de "banda da crítica" , em que o sucesso de público não acompanha as citações e louvores de jornalistas em revistas e sites especializados. O fato é que  para quem se aventurar a sair do lugar comum e passar por alguns obstáculos, encontrará uma banda obrigatória prá quem acredita em matar todo mundo agora, legalizar o assassinato em primeiro grau, defender o canibalismo, comer merda e que tem a sujeira como política e estilo de  vida.
 

O Butthole Surfers iniciou suas atividades em fins da década de 70, quando Gibson "Gibby" Haynes, então estudante de contabilidade e filho de um famoso apresentador de programas infantis conhece na universidade o estudante de arte Paul Leary. Com gostos musicais bem parecidos e pretensões artísticas idem começam logo a ensaiar e fazer apresentações no circuito punk local de San Antonio, Texas, estado americano conhecido pela caipirice ultraconservadora e distante dos grandes centros culturais dos EUA.

Gibby Haynes çedusindo
Sempre foram um alienígena dentro do universo independente americano. Já logo em seu debut, clássico instantâneo "Brown Reason To Live EP"  nota-se claramente que eles tinham mais a ver com o pós-punk de pretensões mais artísticas (art-punk) de bandas como PIL, Fall, Birthday Party do que seus compatriotas do punk/hc. O BS é hardcore no sentido de serem extremos, mas não eram ultra-rápidos nem as letras tinham conteúdo político explícito. Musicalmente não havia limites, eram punk, funk, psicodélico, alternativo, folk, hardcore, metal, eletrônico, experimental...  E letras como “There’s a time to shit and a time to God. The last shit that I Took was pretty fuckin’ odd. There’s a time for drugs and a time to be sane. Jimi Hendrix makes love with Marilyn remains” confundiam e  irritavam quem esperava uma proposta mais “séria” e linear. A incorreção política do grupo fez com que fossem sempre uma banda sem cena.



Em seguida vem o ao vivo "PCPPEP" e o primeiro LP deles "Psychich Powerless Another’s Man Sac" (em geral esses títulos inusitados dos discos do BS, era porque Haynes e Leary cada um queria um título para os trabalhos, então "resolvia-se" a coisa fazendo a junção dos dois títulos, duas ou três palavras combinadas que não faziam sentido algum).

Após o primeiro disco, fizeram sua primeira grande turnê pelos EUA em uma Chevy velha e toda grafitada, com arame farpadoenroscado pelos parachoques; levando sempre junto sua mascote, a cadela pitbull "Mark Farner Of Grand Funk Railroad".
Butthole Surfers com Mark Farner Of The Grand Funk Railroad
Visualmente os shows estimulavam e agrediam os sentidos: as letras eram gritadas através de um megafone, luzes estrobóscopicas, sangue artificial, nudez, pirotecnia, uma dançarina contratada, dreadlocks pintados de roxo e pink, duas baterias no palco, um projetor exibindo fotos médicas de anomalias e doenças, alternadas com outras de paisagens naturais e personagens de desenhos animados. Quem testemunhou disse que lembravam um circo de horrores, uma bad trip esquizofrênica que era potencializada pelo hábito de grande parte da platéia consumir LSD durante os concertos, então platéia e banda se tornavam em um só, comungando a estupefação, crises de pânico, catarse e vômitos.

Na estrada gravam o “Rembrandt Pussy Horse” (1986) que na arte original da  capa mostra a virilha de uma halterofilista com a calcinha atochada na pepeca e as veias saltando prá fora. Sem nomes de músicas ou fotos da banda, que era para não estragar a "pureza artística do trabalho", o disco segue a trajetória dos anteriores e é paulada na moleira,  nada a ver com nada, prá louco pirar, insanidade pura. Nesse ano conseguem uma turnê caótica pela Europa, em que o Gibby corre pelado entre o público durante um festival na Holanda, apanha muito (inclusive da banda do Nick Cave) e no final saem consagrados!!!! Não entenderam nada.
 

Conta-se que os integrantes compunham, gravavam, se apresentavam e viviam o tempo todo sob estados alterados da mente, usando todo tipo de droga e vivendo na mais absoluta paranóia. Na situação de penúria em que se encontravam, chegaram a lavar pratos e catar latas de alumínio para sobreviver, vivendo por muito tempo se hospedando na casa de amigos de cidades por onde passavam e coletando comida no lixão. Algumas histórias são curiosas, como a que sem mais nem menos se mudaram para Athens, Geórgia e por lá ficaram por 6 meses,  na tentativa (frustrada) de fazer contato com o R.E.M, primo rico dessa geração de bandas, que tinha um pé no punk mais buscava raízes melódicas/ideológicas/espirituais no  classic rock das décadas de 60 e 70.
Teresa Nervosa: uma das bateristas do BS



As coisas começam a melhorar um pouco a partir de 1987, com o lançamento de "Locust Abort Technician", considerado por muitos como sua melhor obra, um passo a frente em matéria de produção e conceito artístico; e que mais recentemente foi incluido no famoso livro “1001 discos para ouvir antes de morrer”. A faixa de abertura, uma zuera em cima de ‘Sweat Leaf’ do Black Sabbath e com o mote: “É melhor se arrepender do que você fez do que do que você não fez” talvez seja o momento mais marcante de um álbum só de acertos. A imprensa britânica saudou-os como revelação do ano. Gravam em 1988 o "Hairway to Steven", que é uma espécie de continuação do "Locust..." mas sem o o mesmo impacto e o ao vivo “Double Live” (que contém uma versão bizarra de "The One I Love”, do R.E.M.).



A banda entra nos 90’s passando por crises. O momento é propício para eles mas com as sucessivas mudanças de formação e abuso de drogas dos integrantes, começam a mostrar sinais de cansaço. Gravar por uma major também não ajuda muito e os discos ”Pioughd”, “Independent Worm Saloon” e “Electric Larryland” passam um ar burocrático. Apesar de ótimos momentos musicais nos discos citados, assim como apresentações memoráveis como a  Lollapallooza de 91(essa lembrada pelos tiros de rifle disparados) já são uma banda bem mais estudada e linear.

Desde 2010 que não gravam nada e também não andam fazendo shows, mas os Surfistas do Cu não acabaram oficialmente e há boatos de um retorno aos palcos, o que é desmentido pelos integrantes. Seja do jeito que for, a única certeza é que isso acontecer será esquisito e marcante de qualquer forma.

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